segunda-feira, 30 de junho de 2014

Seguro prestamista ainda não respeita o consumidor integralmente

O aumento do acesso ao crédito ampliou a discussão em torno de cláusulas e condições do contrato de financiamento, dentre as quais a situação do consumidor face ao seguro prestamista.
 
A jurisprudência na interpretação do tema não está harmônica, oscilando para tutela protetiva do consumidor, ao fundamento do abuso, falta de opção e a mesma figura entre estipulante e beneficiário da cobertura, outra sustenta que, por ser benéfico ao consumidor no caso de desemprego, invalidez ou óbito, não há qualquer pecha de irregularidade ou ilegalidade.
 
A grande verdade é que nenhuma instituição financeira, de modo convincente, transparente e consoante as regras de informação, disponibiliza a apólice ou sinaliza o valor da cobertura e suas hipóteses, cuja zona cinzenta não oportuniza discernimento mais arraigado do modelo ou de sua essencialidade.
 
A par dessa regra, se o seguro visa, uma espécie de claúsula del credere, indiretamente beneficiar ao consumidor, não haveria de se cogitar a respeito de sua invalidade ou ineficácia.
 
Normalmente, o valor, se cotejado com o financiamento, é de pequeno e de pouco conteúdo.
 
Há casos nos quais o contratante deixa de esclarecer a existência de uma doença ou eventual moléstia capaz de evitar a própria contratação, disperso o princípio da boa-fé objetiva, tem-se que haveria prejuízo da casa bancária ou da financeira se eventualmente confiasse apenas na remuneração e não nos demais aspectos do consumidor.
 
A partir dessa premissa, as entidades deveriam agir com transparência e fidedignidade, exibindo a apólice, revelando a cobertura e os casos concretos, no ditar a função real do benefício e a respectiva circunstância pautada.
 
Dizer, pura e simplesmente, que há uma venda casada, por si só, não convence, haja vista que sem um seguro o valor do custo efetivo financeiro será maior, e o spread encarecerá.
 
Frente ao modelo descrito, pode-se facultar ao consumidor a livre escolha da contratação, como se normatiza, mas a prudência, somada à cautela, ambas condizem com a cobertura e sua incidência na proteção do contratante do financiamento.
 
E isso é tábula rasa na questão do financiamento imobiliário, cuja duração é bem maior e pode chegar até  trinta anos, assim, e por não saber se o mutuário terá longa vida para pagar e liquidar sua obrigação, a contratação de um seguro é regra inerente ao juízo de ponderação, marcando mais uma etapa do relacionamento entre as partes.
 
Esclareça-se que o seguro pode ser contratado com uma empresa do grupo econômico, mas o consumidor não está obrigado a aceitar e pode fazer um levantamento a fim de obter uma proposta mais interessante.
 
No entanto, faltante clareza e uma efetiva prestação de contas frente eventual sinistro, não se conhece a realidade e a instituição financeira poderá levar alguma vantagem.
 
Entretanto, a apólice deve prever o limite da cobertura e, se houver sobra, essa terá às mãos dos beneficiários, no caso familiares e/ou herdeiros do mutuário.
 
A matéria é palpitante e, ao mesmo tempo, polêmica, mas não podemos nos centrar exclusivamente na vulnerabilidade e falta de opção, a exemplo de uma venda casada para tisnar o seguro.
 
Fundamental sabermos o valor, a categoria da apólice, sua cobertura e os eventuais beneficiários para, dentro desse contexto, aplicarmos o bom direito e separarmos o joio do trigo, na definição da legalidade ou não desse tipo, imbricado no financiamento contratado.
 
Fonte - Conjur

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Marido que abandona lar não tem direito a partilha dos bens

Um parceiro que abandona por muito tempo o cônjuge, o lar e os filhos não tem direito à partilha de bens do casal. O imóvel que pertenceu ao casal passa a ser de quem o ocupava, por usucapião. Assim decidiu a 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao confirmar sentença de comarca do sul do estado.
 
No caso julgado, um homem que teve decretado o divórcio no ano de 2000 pediu a divisão do imóvel no qual morava sua ex-mulher. Ele ajuizou a ação de sobrepartilha em 2008, já que foi revel (condição do réu que, citado, não comparece para o oferecimento da defesa) na ação de divórcio, ajuizada pela ex-mulher, de forma que não houve a partilha de bens naquela ocasião. O homem abandonou a mulher há 46 anos.
 
O argumento de defesa da mulher foi que o imóvel não poderia ser dividido com o ex-marido porque, embora registrado entre eles, há muito ela tinha a posse exclusiva sobre o bem, tendo-o adquirido pela via do usucapião. O relator, desembargador Eládio Torret Rocha, apontou não haver dúvidas de que o homem abandonou o lar, deixando os bens, a esposa e os sete filhos do casal à sua própria sorte.
 
Jurisprudência

 O relator apontou, ainda, que em casos de prolongado abandono do lar por um dos cônjuges a doutrina e a jurisprudência  consolidaram o entendimento de que é possível, para aquele que ficou na posse sobre o imóvel residencial, adquirir-lhe a propriedade plena pela via da usucapião, encerrando-se, excepcionalmente, a aplicação da norma que prevê a não fluência dos prazos prescricionais nas relações entre cônjuges.
 
"Oportunizar, portanto, a partilha do imóvel, metade por metade, pretendida pelo varão depois de 46 anos de posse exclusiva exercida sobre o bem pela esposa abandonada — tão-só a partir do simples fato de que a titularidade do terreno ainda se encontra registrada em nome de ambos —, afora o sentimento de imoralidade e injustiça que a pretensão exordial encerra em si própria, seria negar por completo os fundamentos sobre os quais se construíram e evoluíram as instituições do Direito de Família e do Direito das Coisas enquanto ciências jurídicas", afirmou Rocha. A decisão foi unânime.
Tal raciocínio interpretativo, aliás, continuou o relator, foi determinante para a promulgação da Lei 12.424/2011, por definir que o cônjuge abandonado, após dois anos de posse com fins de moradia, adquire a propriedade exclusiva do imóvel, em detrimento do direito de propriedade do parceiro que o abandonou. Mas essa lei não foi aplicada por o caso em discussão ser anterior a ela.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 26 de junho de 2014

É abusivo construtora cobrar taxas de corretagem e de assistência

O comprador de um imóvel na planta não pode ser obrigado a bancar comissão de corretagem e taxa de Serviço de Assistência Técnica Imobiliária (Sati). Assim entendeu a 2ª Turma Cível do Colégio Recursal Central de São Paulo ao condenar uma construtora e uma imobiliária a pagarem em dobro o valor desembolsado por uma família por cobranças consideradas abusivas. As empresas ainda deverão pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais.
 
Os consumidores haviam reservado um imóvel em condomínio projetado em Barueri (SP), mas desistiram do negócio por discordarem de cláusulas contratuais e devido ao atraso nas obras. Segundo Carlos Henrique Bastos da Silva, representante da família e sócio do Bastos Silva e Gnann Advogados Associados, as empresas quiseram devolver cerca de R$ 800, descontando mais de R$ 12 mil por causa das duas taxas.
 
O caso então foi levado à Justiça, e a 1ª Vara do Juizado Especial Cível Central considerou irregular apenas a taxa Sati, determinando a devolução de R$ 1.955. No Colégio Recursal, porém, a 2ª Turma estipulou que os autores recebam quase R$ 30 mil, incluindo-se a indenização pelo sofrimento pelo qual passaram.
 
Enquanto as obras ainda não começam, a única opção para o consumidor é procurar o corretor que fica no stand de vendas, disse o colegiado. Por isso, não faz sentido estipular comissão pelo serviço desse intermediário. “Considerando que quem contratou a corretora foi a própria empreendedora, cabe somente a esta última arcar com eventual comissão devida”, escreveu em seu voto o juiz relator Luís Scarabelli.
 
Sobre a cobrança da Sati, ele afirmou que “não se vislumbra sequer qual a função de aludida taxa, por ser inerente à própria atuação da corretora efetuar todas as verificações mínimas necessárias para a celebração do negócio”. Para Scarabelli, os cuidados de assistência já são obrigatórios para a corretora, pois o artigo 723 do Código Civil estabelece que o corretor deve executar a mediação “com diligência e prudência”. A tese venceu por unanimidade.
 
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Uma análise prescricional das indenizações por danos morais e por acidentes

Os acidentes do trabalho podem gerar repercussões diversas, nos planos do Direito Civil, Trabalhista, Previdenciário e Penal.
 
Deve-se salientar, ademais, que as doenças ocupacionais também são consideradas acidentes do trabalho (art. 20 da Lei 8.213/1991).
 
Quanto ao tema, uma das questões mais discutidas é sobre o prazo prescricional aplicável à pretensão de indenização de danos morais e materiais, no âmbito da relação de emprego, quando decorrente de acidente do trabalho e doença ocupacional.
 
Primeiramente, é importante registrar que a possível imprescritibilidade do direito da personalidade envolvido (art. 11 do Código Civil de 2002) não alcança a reparação ou compensação dos danos oriundos da sua violação.
 
Vale dizer, não se pode confundir o direito de natureza humano e fundamental, ligado, por exemplo, à integridade física e psíquica, com o direito à indenização por ato ilícito, o qual surge da violação do primeiro.
 
Logo, por se tratar de pretensão a ser exercida por meio de ação condenatória, está sujeita a prazo de prescrição.
 
Ademais, ressalte-se que o referido prazo apenas tem início com a efetiva ciência da lesão pelo empregado, como a data em que este teve acesso ao laudo pericial do INSS atestando a incapacidade para o trabalho[1].
 
Em razão disso, nos termos da Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça, o “termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.
 
A rigor, esse prazo deveria ser o previsto na Constituição da República, ao dispor sobre a prescrição aplicada à relação de emprego, conforme art. 7º, inciso XXIX.
 
Cabe esclarecer que a prescrição é instituto de Direito material, embora possa ter aplicação no processo, por acarretar a resolução do feito com exame do mérito[2].
 
Logo, o prazo prescricional aplicável não é definido, exatamente, em razão do órgão jurisdicional com competência para decidir o conflito.
 
Na verdade, justamente por se tratar de dano que decorre do contrato de trabalho, o mais adequado, como visto acima, seria a incidência do respectivo prazo de prescrição, de hierarquia constitucional.
Nesse enfoque, a partir da ciência inequívoca da violação do direito, o trabalhador teria o prazo de cinco anos para ajuizar a demanda, com o pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente do trabalho (em sentido amplo), devendo respeitar, também, o biênio prescricional, contado da extinção da relação de emprego.
 
Entretanto, tem prevalecido na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho o entendimento de que se a ciência inequívoca da lesão, oriunda de acidente do trabalho (ou doença ocupacional), ocorreu antes da vigência da Emenda Constitucional 45 (31 de dezembro de 2004), aplica-se o prazo prescricional previsto no Código Civil.
 
Argumenta-se que, antes dessa ampliação da competência da Justiça do Trabalho, entendia-se, de forma majoritária, que a competência para decidir o conflito era da Justiça Comum Estadual, devendo incidir, assim, a prescrição civil.
 
A respeito do tema, transcreve-se a ementa do seguinte julgado:
 
“Recurso de embargos. Recurso de revista conhecido e provido para declarar a prescrição. Aplicação do art. 7º, XXIX, da CF. Acidente de trabalho ocorrido em 1992. Danos morais. Ação ajuizada na Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Direito intertemporal. Segurança jurídica. Regra de transição. Aplicação da prescrição cível. A prescrição de dois anos, para ajuizamento de ação na Justiça do Trabalho, como determina o artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, não alcançam ações cuja data da lesão já transcorrera em mais da metade pela regra da prescrição de vinte anos ou aquelas propostas antes da vigência do novo Código Civil de 2002, conforme determina seu artigo 2.028. A alteração da competência para o julgamento das ações relativas a acidente de trabalho, consoante a Emenda Constitucional nº 45/2004, não possibilita a aplicação imediata da regra de prescrição trabalhista, pois quando da redução dos prazos prescricionais (artigo 205 e inciso V do artigo 206), estabeleceu-se a regra de transição, com o objetivo de assegurar o princípio da segurança jurídica. Considerando que a ação foi proposta quando já havia transcorrido mais de dez anos da ciência do dano, o prazo aplicável ao caso sob exame é o de vinte anos, razão por que não se encontra prescrita a pretensão ao pagamento da reparação correspondente. Proposta a ação em 2005, mesmo após a vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004, na Justiça Comum em relação à indenização decorrente de acidente de trabalho ocorrido em 1992, não pode o autor ser surpreendido pela mudança da competência, adotando prazo prescricional de dois anos, pois já tinha adquirido o direito a ver a sua pretensão julgada sob a regra de prescrição anterior. Embargos conhecido e provido.” (TST, SBDI-I, ERR - 9951700-13.2006.5.09.0659, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 05.06.2009).
 
Seguindo o entendimento que tem prevalecido no Tribunal Superior do Trabalho, se a violação do direito ocorreu quando já em vigor o Código Civil de 2002, aplica-se o prazo prescricional específico, nele previsto, de três anos, conforme art. 206, § 3º, inciso V, contado a partir da ciência da lesão.
Entretanto, se essa ciência da lesão se efetivou antes de 11 de janeiro de 2003, deve-se considerar o disposto no art. 2.028 do Código Civil de 2002, ao prever que: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
 
No caso, entende-se ter havido redução do prazo prescricional, pois enquanto o Código Civil de 1916 previa o prazo de 20 anos (art. 177), o referido diploma de 2002 passou a dispor que prescreve em três anos “a pretensão de reparação civil” (art. 206, § 3º, inciso V).
 
Portanto, deve-se verificar, em cada situação em concreto, se, levando em conta a data da efetiva ciência da lesão ao direito, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já transcorreu mais de 10 anos.
 
Na hipótese afirmativa, incide o prazo prescricional de 20 anos; caso contrário, aplica-se o prazo de prescrição de três anos, contado a partir da data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, para que não ocorra aplicação retroativa da norma jurídica[3].
 
Exemplificando, se o acidente do trabalho ocorreu em 13 de abril de 2001, deve-se aplicar o novo prazo prescricional de três anos (conforme art. 206, § 3º, inciso V do CC-2002), contado, como visto acima, da entrada em vigor do Código Civil de 2002, uma vez que, nesse caso, não transcorreu mais da metade (10 anos) do prazo prescricional anterior (o qual era de 20 anos, nos termos do art. 177 do CC-1916), quando do início da vigência do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003).
 
Nesse sentido é a importante decisão proferida, em 22 de maio de 2014, pela Subseção de Dissídios Individuais I do TST, no processo E-RR-2700-23.2006.5.10.0005.
 
Diversamente, caso o acidente do trabalho tenha ocorrido em 10 de fevereiro de 1991, ainda seguindo o entendimento que tem prevalecido na jurisprudência do TST, deve-se aplicar o prazo prescricional de 20 anos (art. 177 do CC-1916), contado da efetiva ciência da lesão, tendo em vista que, nessa hipótese, transcorreu mais da metade do prazo de prescrição anterior, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003), nos termos do seu art. 2.028.
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 24 de junho de 2014

Aprovar limitação da penhora online seria negar legítimo direito

Em fevereiro de 2014 foi aprovada uma emenda ao novo Código de Processo Civil (CPC), na Câmara dos Deputados, que é anunciada como impeditiva do bloqueio e penhora de dinheiro, de aplicações financeiras e outros ativos financeiros em caráter provisório (penhora on-line em antecipação de tutela).
 
Surpreendentemente para uma visão jurídica, mas talvez não política, em bloco a orientação da maioria dos partidos foi pela aprovação desse destaque.
 
Abstraída a questão política, o importante é entender o que pode representar essa aprovação. Em síntese, deu-se nova redação ao parágrafo único do art. 298, que resultou no seguinte texto:
 
“Art. 298 O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela antecipada.
 
Parágrafo único:  A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros. (NR)”
 
A tutela antecipada é uma técnica em que, quando presentes os requisitos legais, seja em razão da urgência ou da forte evidência de um direito, há a possibilidade de entrega do “bem da vida” pretendido pelo autor antes do momento usual.
 
Não há espaço, neste momento, para uma ampla análise do instituto jurídico, mas é fundamental lançar uma advertência jurídica para toda sociedade brasileira da altíssima potencialidade lesiva da emenda aprovada na Câmara dos Deputados.
 
Ao lado de avanços do Projeto do Novo CPC, estão alguns pontos que podem ser melhorados. Mas, no tocante à limitação da penhora on-line, não há um debate, há gravíssimo erro.
 
As tutelas antecipadas não podem ser concedidas se não houver fundamentação; portanto, o argumento de que juízes, de maneira inconsequente, acabam bloqueando valores, são argumentos ad terrorem, mas que não resistem a uma análise profunda. Se desvios acontecem, estes podem ser afastados por recurso.
 
Se o desvio é mais grave, o Conselho Nacional de Justiça e as Corregedorias dos Tribunais cada dia se apresentam mais efetivas na discussão destas questões.
 
Mas o ponto nevrálgico é que os desvios são, além de corrigíveis, um grão de areia em relação à utilidade do bloqueio de ativos financeiros e dinheiro. O sistema brasileiro (efetivado pelo programa denominado BacenJud) é um dos mais avançados do mundo, se não o mais avançado. Atualmente, um juiz, mediante senha e, portanto, individualização e descrição de responsabilidade e com segurança, pode assegurar a efetivação da tutela jurisdicional, determinando o bloqueio de ativos.
 
Ao pretender sanar uma patologia, a emenda propõe eliminar o paciente, incidindo em evidente contradição. Longe de atingir apenas os atos executivos, a emenda esvazia, em grande medida, a atividade jurisdicional nas hipóteses de urgência e reforça, ainda mais, a crise de efetividade que se vivencia no processo.
 
Imagine-se hipóteses em que desvios de recursos públicos são alvo de busca de bloqueios antes que “sumam” ou em que valores de pessoas falecidas são desviados por familiares ou administradores.
 
Pelo dispositivo em análise, tais medidas executivas só ocorrerão após decisão definitiva, possibilitando que estas pessoas sejam avisadas previamente do bloqueio e penhora, permitindo-lhes frustrar a execução. É quase certo que, no dia em que a decisão for executada, não haverá mais nada, não haverá o que se bloquear ou penhorar.
 
Enfim, a tutela antecipada e o bloqueio de ativos financeiros pelo sistema BacenJud (penhora on-line) são uma conquista da sociedade brasileira. Desvios devem ser evitados e, quando não forem, devem ser corrigidos (e há mecanismos para isso, como se demonstrou). Mas não se pode impedir o acesso à justiça.
 
O Brasil é pioneiro na América do Sul ao instituir em seu sistema processual o eficaz mecanismo de bloqueio on-line dos valores legitimamente devidos ao credor, sendo que o artigo 655-A do atual Código de Processo Civil sempre foi visto como avanço pela doutrina e da jurisprudência.
 
É preciso acrescentar que, não há estudos ou estatísticas que recomendem abolir esse importante instrumento processual.
 
Não é demais lembrar que, conforme relatórios do Conselho Nacional de Justiça, a crise da efetividade do processo encontra nas execuções o seu verdadeiro clímax.
 
A penhora on-line, neste passo, é um fundamental mecanismo para se atingir a almejada efetividade da tutela executiva, permitindo ao exequente a chance de garantir o pagamento daquilo que lhe é devido. Sustentar o contrário é caminhar para a trilha do retrocesso, não buscar uma execução equilibrada e permitir que o executado tenha o sistema processual como escudo contra o legítimo direito do exequente de ter a garantia de pagamento daquilo que lhe é devido.
 
Mas o destaque aprovado tem efeitos nefastos (ainda que possam ser mitigados por alegação de inconstitucionalidade, por violação do acesso à justiça), pois uma redação retrógrada e antidemocrática, como a exposta, provoca instabilidade e discussões. Imagine-se, por exemplo a execução provisória, nos casos (ou no “caos”) em que ainda pender recurso, ainda que eminentemente protelatório: as decisões já terão eficácia, não serão necessariamente decorrentes de tutela antecipada, mas teses surgirão buscando obstaculizar a efetivação, bastando a referência de que a tutela antecipada também provoca “execução provisória” e, portanto, esta, em todos os casos, deveria ter o mesmo regime jurídico restritivo, o que significará um retrocesso sem precedentes na história brasileira.
 
O Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro), após criação de uma comissão especial, para estudos, debates e redação final de manifestação institucional, aprovada por seu Conselho, externa, em caráter conclusivo, seu parercer científico cooperativo pela não aprovação no Senado do parágrafo único do art. 298 do substitutivo da Câmara dos Deputados (8.046, de 2010) anunciada como impeditiva do bloqueio on-line.
 
Pelos motivos expostos, de maneira segura, refletida, mas com veemência, busca-se conclamar a sociedade brasileira e todos os seus representantes, para a delicadeza do assunto, não do projeto do CPC, mas desta emenda que precisa ser afastada. Isso de modo a se extirpar do texto essa restrição à penhora on-line, em prol de um País menos injusto e de uma Justiça não obstaculizada por regras antidemocráticas.
 
Fonte - Conjur

segunda-feira, 23 de junho de 2014

STJ pacifica isenção do IPI na revenda de mercadoria importada

Depois de decisões controvertidas, acabou a divergência acerca da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas que não sofrem processo de industrialização com o julgamento dos embargos de divergência no STJ favorecendo os importadores nesta dura briga com o Fisco.
 
Isso porque o STJ liberou os importadores de pagarem o IPI na comercialização de mercadorias importadas. Com um placar de cinco votos a três, os ministros consideraram que a cobrança configuraria bitributação.
 
O tema foi levado em embargos de divergência para  a pauta na quarta-feira (11/6) à 1ª Seção do STJ — que tem por objetivo unificar a jurisprudência — por meio de cinco processos. São ações de importadores que foram autuados por não recolhimento de IPI sobre a revenda de mercadoria ou entraram na Justiça preventivamente.
 
Assim entendo que de forma acertada agiu o STJ, pois evidente que há bitributação, abrindo novamente o precedente para que os importadores busquem a isenção e restituição dos valores pagos de forma indevida.
 
Para melhor esclarecimento, cumpre destacar que assim dispõe o Código Tributário Nacional: 
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. Art. 51. Contribuinte do imposto é:
I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.
Conforme acima relatado, o artigo 46, I, do CTN, o fato gerador do IPI na importação de produtos industrializados é o respectivo desembaraço aduaneiro, sendo que a hipótese de incidência atrelada à saída dos estabelecimentos diz respeito apenas a produtos industrializados nacionais, que não sofreram IPI anterior, a demonstrar, pois, que não é possível cumular incidências tributárias, como pretende o Fisco, no caso de importação direta pelo próprio comerciante.
 
Neste sentido, resta claro que é necessária a industrialização ou aperfeiçoamento do produto importado para que possa haver a incidência do IPI no segundo momento, qual seja, a sua saída para o mercado interno
 
Isto porque o fato gerador do IPI não é a saída do produto importado do estabelecimento do importador.  Por motivo de logística arrecadatória e aferibilidade, a saída do produto industrializado foi escolhido como o momento, em regra, de ocorrência do fato gerador, embora não seja essa a conduta tributável.
 
O verdadeiro e único fato gerador do IPI é a industrialização do produto, de modo que, caso esta ação não ocorra, sua cobrança é ilegítima.
 
A Lei 4.502/64, dispôs, no parágrafo 1º do artigo 2º que “Quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora de estabelecimento produtor, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial”.
O próprio Regulamento do IPI (Decreto 7.212/2010) afasta a possibilidade de cumulação da exação, ao incluir a conjunção alternativa nos incisos I e II do artigo 35:
Art. 35. Fato gerador do imposto é (Lei n. 4.502, de 1964, art. 2º):
I - o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; ou
II - a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.(destacado)
Ademais, cumpre destacar que o artigo 4º, I, da Lei 4.502/1964, ao equiparar a estabelecimento produtor os importadores e arrematantes de produtos estrangeiros, não permitiu tributação fora dos parâmetros do seu artigo 2º, que estabeleceu ser devido o IPI no desembaraço aduaneiro, para bens estrangeiros, e na saída do respectivo estabelecimento produtor no caso de bens nacionais. O Código Tributário Nacional, editado em 1966, adotou o mesmo fato gerador e, ainda que se cogitasse de discrepância, não poderia o Fisco invocar a lei ordinária anterior para prevalecer sobre a lei complementar posterior.
 
Posto isto, tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.
 
Ressalvo, contudo, que diferente é a situação da empresa importadora que pratica atos de industrialização (artigo 4º do Decreto 7.212/2010), eis que a nova incidência do IPI estaria plenamente justificada, a teor do disposto no artigo 46, II, do CTN.
 
Sendo assim, nos casos  em que os produtos importado, já chegam ao país com o processo de industrialização finalizado, sendo apenas revendidos/repassados no mercado nacional, sem quaisquer modificações, deve a empresa buscar a tutela jurisdicional para declarar a inexigibilidade da nova cobrança bem com o restituição dos valores recolhidos indevidamente nos últimos 5 anos, tendo em vista a ocorrência de bitributação.
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Lentidão da Justiça onera Estado e prejudica sociedade

Em dezembro deste ano, a reforma do Judiciário (emenda à Constituição 45) completará dez anos. Uma das grandes e importantes alterações promovidas foi a introdução do princípio da celeridade processual, consagrado como direito fundamental.
 
Por esse dispositivo, a Carta estabelece que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
 
A morosidade na prestação judicial, além de onerar a máquina estatal, prejudica diretamente a sociedade. Se, por um lado, há um gigantismo da missão de julgar, por outro, há, também, o elevado grau de expectativa social em relação aos inúmeros temas submetidos a exame.
 
A lentidão na Justiça é apontada como um dos problemas mais graves do Poder Judiciário, demonstrando a inaplicabilidade efetiva dos princípios da eficiência e da celeridade processual por parte do aparelho dos órgãos do Poder Judiciário e daqueles que compõem as funções essenciais à Justiça.
 
Desde a reforma, houve esforços para melhorar a prestação jurisdicional aos cidadãos brasileiros — como a introdução da súmula vinculante, da repercussão geral, a implementação do processo eletrônico nos tribunais, dentre tantos outros.
 
No âmbito do Ministério Público, órgão essencial à Justiça, também foram promovidas mudanças a fim de atender a este comando constitucional — como implementação de sistemas eletrônicos de acompanhamento de peças judiciais e extrajudiciais, reestruturações e melhorias na gestão.
 
Tais esforços foram no sentido de melhorar o acesso à Justiça por parte do cidadão brasileiro, ao qual deve ser oferecida a prestação jurisdicional efetiva, eficiente e profissional.
 
No entanto, se por um lado temos muito a comemorar em termos da ampliação, ainda que gradual, do acesso à Justiça pelo cidadão, por outro, há a exigência crescente de mais profissionalismo para produzirmos resultados que atendam aos anseios sociais em um prazo razoável.
 
O Ministério Público brasileiro, junto com a magistratura, enfrenta as mesmas dificuldades na concretização no Estado democrático de direito. Nossos laços, portanto, são definitivos e todos os percalços enfrentados pelo Poder Judiciário são também vivenciados pelo Ministério Público.
 
Ao assumir o cargo de procurador-geral da República, defini como meta não trabalhar com acervos ou reduzi-los a níveis aceitáveis, pois entendo que Justiça tarda é Justiça falha.
 
Para tanto, o gabinete do procurador-geral da República passou a contar com uma nova estrutura, com o objetivo de otimizar, garantir mais transparência e melhorar o controle da tramitação processual. O trabalho inclui a participação de membros do Ministério Público Federal com especialização nas áreas constitucional, criminal, cível, tutela coletiva e em direito administrativo..
 
O fluxo de processos é intenso e contínuo. Para se ter uma ideia do volume, no período de 20 de setembro de 2013 a 31 de maio de 2014, ou seja, pouco mais de oito meses, o gabinete recebeu 5.190 processos judiciais. Nesse mesmo intervalo, foram devolvidos 5.552, sendo a maior parte de processos com entrada anterior a 2012.
 
A meta é, até julho, analisar e devolver ao Supremo Tribunal Federal e à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça todos os processos com entrada em 2013 no gabinete do procurador-geral da República.
 
Colocar em prática o princípio da celeridade em ano de eleições gerais é um desafio a mais. Os prazos nessa área do direito são muito mais exíguos. Nesse sentido, a Procuradoria Geral Eleitoral zerou em maio toda a demanda de processos judiciais recebida pela atual gestão em setembro de 2013, relativa às eleições de 2008, 2010 e 2012. Em setembro de 2013 havia no gabinete cerca 1280 processos relativos a esses pleitos.
 
Queremos, ainda, eliminar até este mês toda a carga recebida de processos até 31 de janeiro deste ano. Assim, os esforços da Procuradoria Geral Eleitoral voltar-se-ão apenas para as demandas da eleição que será realizada em outubro próximo.
 
Um dos grandes aliados do Ministério Público nessa árdua jornada que se aproxima é o módulo Ficha Suja do sistema SisConta Eleitoral. A ferramenta cria um banco de dados nacional com informações de pessoas físicas potencialmente inelegíveis, conferindo maior celeridade à impugnação de candidaturas.
 
Com o SisConta, será possível unificar e processar dados de pessoas condenadas a partir de 2006 com base em informações de mais de 30 órgãos ligados à Administração Pública.
 
Esperamos, com essas medidas, contribuir para alcançar o princípio da razoável duração do processo, garantindo os meios necessários à sua tramitação.
 
Ao trabalharmos com eficiência e eficácia para que a Justiça não tarde e, portanto, não falhe, estaremos, também — e principalmente — protegendo direito e garantias fundamentais que, ao final, objetivam garantir o princípio da dignidade da pessoa humana. 
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Banco quer ressuscitar decisão transitada em julgado há cinco anos

Há cerca de 5 anos, precisamente em 27 de outubro de 2009, foi certificado o trânsito em julgado de uma decisão emblemática no Brasil por constituir vitória importante dos cidadãos contra um poderoso banco e por dar concretude à legislação que dispõe sobre a tutela coletiva.
 
Em março de 1993, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ingressou com uma Ação Civil Pública em face de Banco do Brasil com vistas à recuperação das perdas ocorridas nas cadernetas de poupança com o advento do Plano Verão. O pedido, feito com base nas Leis 7.347/85 e 8.078/90, não deixa margem à dúvida quanto à tutela dos direitos individuais homogêneos, abrangendo todos os poupadores do país que tinham conta poupança no Banco do Brasil, independentemente de serem ou não associados do Idec.
 
Na época, o próprio Banco do Brasil reconheceu textualmente a abrangência nacional da ação quando opôs exceção de incompetência para que a ação tramitasse no Distrito Federal e não na cidade de São Paulo, tendo sido acolhido o pedido e determinada a distribuição da ação em Brasília.
 
Após o trâmite normal do processo, com a interposição de todos os recursos cabíveis por parte do Banco do Brasil, restou declarado o direito de todos os poupadores do Brasil de se valerem do título executivo para ajuizar execução individual e serem ressarcidos pelas perdas sofridas quando do advento do Plano Verão no longínquo ano de 1989.
 
A consagração desta vitória é o uso que tantos consumidores já fizeram desta decisão judicial proferida em ação civil pública com abrangência nacional para concretizar seu direito. Muitas execuções individuais já chegaram ao fim, tendo o Superior Tribunal de Justiça declarado dezenas de vezes o direito dos poupadores [1].
 
Inexplicavelmente, o ministro Luis Felipe Salomão que já teve a oportunidade de se manifestar por 12 vezes a respeito do assunto sempre concluindo que a sentença da Ação Civil Pública “se aplica indistintamente a todos os correntistas do Banco do Brasil detentores de caderneta de poupança com vencimento em janeiro de 1989, independentemente de sua residência ou domicílio no Distrito Federal, forçoso reconhecer que o beneficiário poderá ajuizar o cumprimento individual da sentença coletiva no Juízo de seu domicílio.”, conforme precedentes [2], entendeu por bem afetar para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos o Recurso Especial 1.391.198/RS, em que é recorrente o Banco do Brasil e recorrido Laíde José Rossato.
 
Todo estudante de Direito aprende logo que sobre o manto da coisa julgada é juridicamente impossível rediscutir uma matéria. O que, então, justifica após cinco anos do trânsito em julgado que o ministro Salomão proponha a rediscussão sobre a abrangência da sentença prolatada na Ação Civil Pública movida pelo Idec em face do Banco do Brasil 1998.01.1.016798-9 (se beneficia todos os poupadores do Banco do Brasil, independentemente de sua residência ou domicílio no Distrito Federal) e também a rediscussão acerca da legitimidade ativa dos poupadores (se somente associados do Idec poderiam se valer do título executivo para ajuizamento de cumprimento individual da sentença coletiva)?
 
A segurança jurídica é pilar constitucional que não pode ser flexibilizado nem mesmo para beneficiar as instituições financeiras que exercem poder inominável neste país.
 
Só podemos acreditar que a afetação do Recurso Especial 1.391.198/RS constitui mecanismo encontrado pelo ministro Salomão para calar, de uma vez por todas, a irresignação cansativa do Banco do Brasil.
 
Às vésperas do julgamento, o último esperneio chega por meio da petição da Febraban de 05 de junho, em que requer que a partir da orientação exarada pelo Supremo Tribunal Federal no que tange à interpretação do inciso XXI do art. 5º da Constituição, a FEBRABAN espera e requer que no julgamento do presente recurso representativo da múltipla controvérsia, em relação à extensão subjetiva, seja assentada tese no sentido de que: “Somente se reconhece legitimidade ativa para execução individual da sentença proferida na Ação Coletiva 1998.01.1.016798-9 movida pelo Idec em face do Banco do Brasil perante a 12ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília-DF, aos poupadores que faziam parte dos quadros associativos do Idec na data do seu ajuizamento e que expressamente autorizaram sua propositura.”
 
O pedido da Febraban tenta se ancorar no julgamento do Recurso Extraordinário 573.232, de relatoria do ministro Lewandovski e relatoria para acórdão do ministro Marco Aurélio, cujo acórdão ainda não foi disponibilizado. Segundo notícias já veiculadas, as instituições financeiras apostam neste julgado para reduzir o número de poupadores beneficiários pelos títulos judiciais decorrentes de Ações Civis Públicas, sob a alegação de que o STF teria decidido em caráter definitivo que somente associados que ingressaram na associação antes da propositura da ação poderiam se beneficiar.
 
Mesmo esquecendo que estamos falando de decisão transitada em julgado há cinco anos, e ainda sem acesso ao teor da decisão da Suprema Corte não disponibilizada, com base apenas na sessão de julgamento e nas peças e decisões interlocutórias acessíveis a todos os interessados no site do STF, é possível se concluir que não há similitude fática ou jurídica alguma que qualquer litigante de boa fé pudesse utilizar.
 
Na discussão travada nos autos do Recurso Extraordinário 573.232, a Associação Catarinense do Ministério Público ajuizou ação, com fundamento no artigo 81, II, do Código de Defesa do Consumidor, na defesa de interesse coletivo estrito senso, só para seus associados, requerendo expressamente o pedido para os seus “representados”. Já a Ação Civil Pública do Idec movida em face do Banco do Brasil tem como esteio o artigo 81, inciso III, que diz respeito aos interesses individuais homogêneos, para beneficiar todo e qualquer poupador, independentemente do vínculo associativo com o Idec a qualquer tempo. O Idec não propôs ação judicial como representante, nos termos do artigo 5º, XXI, da Carta Magna, mas como substituto processual, nos termos das Lei 7.347/85 e 8.078/90, como expressamente fundamentado.
 
Portanto, mais uma tese insustentável a desrespeitar o bom andamento do processo e a desafiar a inteligência dos julgadores. O que os cidadãos esperam, de uma vez por todas, é a concretização de seus direitos.
 
Assim como a Colenda Corte Superior do STJ teve a oportunidade de declarar aos bancos que qualquer poupador que se valha de título executivo decorrente de Ação Civil Pública terá o mesmo direito que qualquer outro litigante aos juros de mora desde a citação, espera-se que o Tribunal da Cidadania afaste a pretensão juridicamente impossível do Banco do Brasil de trazer à vida acordão transitado em julgado há cinco anos e, o mais importante, em absoluta consonância com o ordenamento jurídico e o entendimento consagrado na Justiça.
 
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 10 de junho de 2014

Compensação de precatório com dívida tributária é ilegal

A imprensa divulgou, recentemente, a suposta autorização do uso de precatórios para quitar dividas tributárias pela Receita Federal. A fundamentação decorreria da publicação de consulta 101 da COSIT (Coordenação Geral de Tributação desse Órgão). Em que pese à carência de boas notícias em matéria tributária, o que, justificaria uma necessidade de enxergá-las, impossível concluir dessa forma, na análise detida da matéria.
 
A Ementa revela o desacertamento da notícia que ora transcrevo: CRÉDITO DE PRECATÓRIO. UTILIZAÇÃO NA COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA DE DÉBITOS RELATIVOS A TRIBUTOS ADMINISTRADOS PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. IMPOSSIBILIDADE
 
Daí, entender que a notícia é boa há otimismo antigo. A lei já fez aniversário. O que a referida interpretação oficial fez em gesto precipitado e inconsequente na solução de consulta, ora sob análise, foi remeter ao Judiciário inúmeros processos que poderiam ter seu curso junto a própria administração federal.
 
Tal atitude não é nova: evitar a compensação, ou melhor, fugir de suas obrigações é pratica antiga e reiterada da Fazenda. As técnicas adotadas são extensas e interessantes. Discorrer sobre as mesmas seria repetir inúmeros argumentos batidos e gastos.
 
Também não é novo empurrar o que deveria ser pago. Os créditos de precatórios, dos quais o poder público é devedor, devem ser considerados como uma espécie de empréstimo compulsório, na medida em que são retenção pelo poder público de dinheiro de pessoas privadas, tendo como gestores um Judiciário tímido e premido pelo discurso do controle do déficit público. Tudo isso a margem da lei.
 
A dificuldade em reavê-los, que pode ser comemorada com sua inclusão nos artigo 30 a 42 da Lei 12.431, é volátil. Primeiro porque o referido parecer tratado é restringido ao máximo a interpretação da norma e segundo, porque o seu fundamento de validade, isto é, os parágrafos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição, foi declarado inconstitucional no julgamento da ADI 4.357 do Supremo Tribunal Federal.
 
Assim, numa questão de tempo, a lei em questão deverá ser declarada sem validade no sistema jurídico, o parecer COSIT restará inaplicável e os contribuintes ficarão obrigados a pagar os tributos e esperar a boa vontade do governo para pagar seus créditos.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Devolução de valor por construtora inadimplente não satisfaz

Tem sido cada vez mais frequente a procura do Poder Judiciário por adquirentes de (futuras) unidades autônomas, compromissadas à venda pelo incorporador, nos termos do artigo 29, da Lei 4.591/64.
 
Foram diversos os fatores econômicos e sociais que contribuíram para o enorme crescimento desse mercado (por exemplo existência de grande demanda reprimida, advento da alienação fiduciária de bem imóvel e do Sistema de Financiamento Imobiliário, política de incentivo e facilitação de acesso ao crédito, elevação do poder econômico da população em geral), sendo o cenário marcado por acirrada disputa entre as construtoras e incorporadoras, que se obrigam perante o mercado a lançar e entregar quantidades crescentes de metros quadrados e empreendimentos.
 
Por parte dos adquirentes, tem-se a figura mais comum do consumidor que adquire o imóvel com a intenção de ali fixar sua residência.
 
Ocorre que esse vertiginoso crescimento evidenciou uma série de práticas contrárias aos direitos dos adquirentes, tal como a cobrança compulsória por serviços de corretagem e assessoria técnica, estabelecimento de multa contratual apenas em face do adquirente ou, então, de multas iniquas contra as incorporadoras, instituição de mandato com poderes exacerbados, entre tantas outras.
 
A par de tantas irregularidades, aquela que realmente parece capaz de tirar o adquirente do (sempre cômodo) estado de inércia, em busca do Poder Judiciário, é o atraso na entrega das chaves, sobretudo quando superado o chamado “prazo de tolerância”, que nada mais é do que um período, estabelecido nos contratos padronizados de praticamente todas as incorporadoras, somado ao prazo de vencimento da obrigação. Geralmente esse prazo não ultrapassa cento e oitenta dias e tem sido aceito pela jurisprudência como válido, justamente por conta das diversas variantes que podem atuar sobre uma obra.
 
A ação mais comum, movida pelos adquirentes, é aquela que persegue o ressarcimento dos danos, decorrentes da mora no cumprimento da obrigação de entregar as chaves, tais como o preço dos alugueres pagos durante o atraso, os custos com depósito de móveis, os danos morais (em certas situações), os lucros cessantes e as penalidades contratuais[1]. Nesse tipo de demanda o consumidor ainda pretende que a obrigação de entrega da unidade seja adimplida pela construtora, limitando o seu pedido, assim, ao ressarcimento dos danos relativos ao atraso.
 
No entanto, há também ações com pedido de rescisão do contrato. Nesses casos, seja porque a mora é enorme, seja por não haver mais interesse no cumprimento por parte do adquirente, torna-se inevitável o reconhecimento do direito à rescisão contratual, com a devolução dos valores pagos. Mas a pergunta que se faz é: além dos valores pagos pelo adquirente, acrescentados dos consectários legais, faz ele jus ao recebimento de algum valor adicional?
 
O presente artigo pretende analisar essa situação e responder a pergunta lançada. Isso porque, como se verá, parece que a jurisprudência, de forma geral, tem pouco refletido acerca dessa questão.
 
Tomemos como ponto de partida o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - Ação julgada parcialmente procedente, com a devolução integral dos valores pagos - Alegada inadimplência da adquirente - Inocorrência - Não comprovação do inadimplemento - Rescisão operada por culpa da ré, que não entregou a obra - Excludente da culpa não comprovada - Argumentação de que as partes devem obedecer ao quanto contratado, com a devolução parcial das parcelas pagas, sob pena de afronta ao princípio do pacta sunt servanda - Inadmissibilidade - Cláusula abusiva, nos termos do art. 53, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) - Dano Moral E MATERIAL - Inocorrência - Hipótese de mero descumprimento contratual - Sentença mantida - Apelos desprovidos. (TJSP, Apelação Cível n. 0210151-23.2009.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, Desembargador Relator Percival Nogueira, julgado em 09.08.2012).
 
Nesse caso, inconformados com o atraso na entrega do apartamento, os adquirentes moveram ação judicial pleiteando: (i) a rescisão do compromisso de venda e compra; (ii) a devolução dos valores até então pagos; e (iii) uma indenização por danos morais.
 
Extrai-se do relatório que o compromisso de venda e compra havia sido firmado pelas partes em 12.02.2007, prevendo a entrega do imóvel em 17.11.2009, com a possibilidade de atraso máximo de 120 dias, ou seja, até 17.02.2010. Em abril de 2010 as obras do empreendimento não haviam começado.
 
Diante dessa situação o Tribunal julgou procedentes os pedidos constantes dos itens “i” e “ii”, determinado a restituição dos valores pagos, acrescidos dos consectários legais, e negando o pedido de indenização por danos morais. Em uma rápida reflexão já se constata quão injusta, efetivamente, é a solução. Mas, antes de adentrar nessa análise, cumpre fazer um breve estudo sobre as funções da responsabilidade civil nos dias atuais.
 
Nas lições doutrinárias sobre o tema é unânime a afirmação de que a responsabilidade civil possui a função de reparar o dano causado. A maioria dos escritos, especialmente os cursos de Direito Civil, não se propõe a analisar as outras funções da responsabilidade civil, ainda que para afastar sua aplicação.
 
Esse silêncio tem uma razão histórica. Como é sabido e consabido, a responsabilidade já teve um caráter essencialmente punitivo. No Código de Hamurabi (1.700 a.C.), por exemplo, se o desabamento de uma casa ocasionasse a morte do filho, o pai tinha o direito de exigir a morte do filho do construtor. Em Roma, especialmente após a Lei das XII Tábuas (462-540 a.C.), surgiram as primeiras ideias de composição voluntária e indenização pecuniária como forma de reparação do dano. Deu-se início a um viés reparatório da responsabilidade, que ganhou ainda mais campo por meio da Lei Aquília (por volta do ano 286).
 
A evolução do Direito Romano foi tal que alcançou o estudo dos chamados danos morais. De todo modo, como se sabe, o caráter punitivo ainda estava presente (e.g. por meio de penas que previam o pagamento de um determinado múltiplo do valor do bem danificado ou destruído).
 
Esse cenário sofreu radical mudança com a chamada codificação moderna, que tem na França pós-revolução o seu marco inicial. A sistematização do direito em Códigos levou, imediatamente, a uma mais clara e evidente separação entre direito civil e penal. Como consequência, ganhou corpo o raciocínio de que ao direito penal competiria preocupar-se com o agente, disciplinando os casos em que deva ser responsabilizado e punido, enquanto ao direito civil caberia tutelar a vítima, reparando-a. A partir deste momento a doutrina civilista passa a defender que a responsabilidade civil, diversamente da penal, tem a função de reparar o dano – deixando de lado aquele caráter punitivo que vinha presente desde o Código de Hamurabi.
 
E assim, essa função da responsabilidade civil — de reparar o dano — se refletiu nos subsequentes ensinamentos, nas legislações e, é claro, nos Códigos.
 
No Brasil, o Código Bevilacqua de 1916 repetiu a legislação dos principais países europeus, centrando a responsabilidade civil em sua função reparatória, ao prever que o causador do dano “fica obrigado a reparar o dano” (art. 159). Fórmula que acabou sendo mantida no artigo 186, do Código Civil vigente, que ainda incluiu a regra contida no art. 944, segundo a qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
 
Mas é inegável a evolução da sociedade desde a era da codificação. Nesses mais de dois séculos transformou-se profundamente por meio da Revolução Industrial e seu maquinismo, das duas Grandes Guerras, da crise de 1929 e a crescente interferência do Estado, além da atual Revolução Tecnológica e da Globalização que, associados a uma notória explosão demográfica, levaram a uma sociedade caracterizada pelo consumo massificado, hipercomplexa, tecnológica e globalizada.
 
De acordo com o recenseamento realizado em 2010, o Brasil conta com mais 190 mil habitantes, sendo que, nesse mesmo ano de 2010, tramitaram por nossos Tribunais, entre novos e pendentes de julgamento final, cerca de 83,4 milhões de processos.
 
Portanto, levando em consideração o cenário atual — de multiplicação de danos e mudanças sociais profundas — deve-se refletir e avaliar se caberia ao direito civil, ainda hoje, a única e exclusiva função de reparar o dano, relegando para outras áreas a função punitiva. Inclusive — e especialmente —, vis a vis o ordenamento jurídico atual, que, como não poderia deixar de ser, evoluiu.
 
Nota-se hoje uma maior preocupação com a prevenção de danos, baseada na máxima de que é preferível evitar um dano a reparar uma vítima. Essa preferência pela prevenção, presente desde Roma por meio do princípio neminem laedere (Digesto 1.1.10.1), pode ser observada no sistema atual em diversas regras. Por exemplo: Código de Defesa do Consumidor (artigos 6º, VI, 42, § único e 84, §§ 1º a 5º); Código de Processo civil (artigos. 273, 461, 461-A e 798); Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 22 e 24 e o título III dedicado à prevenção); e Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/81, artigos 2º, 14 e 15).
 
Atentos a essa sistemática de prevenção imposta pela legislação, os tribunais tem reconhecido as funções punitiva e preventiva da responsabilidade civil. Assim ocorre, por exemplo, quando há ofensa a direitos da personalidade, por meio da quantificação dos danos morais em valor hipoteticamente capaz de reparar a vítima e, também, de punir e inibir a prática daquele ato danoso.
 
No âmbito dos direitos autorais, a jurisprudência também reconhece de longa data o caráter sancionatório e preventivo da responsabilidade civil (vide REsp 150.467/RJ e REsp 23.746/SP).
 
Diga-se, a propósito, que a fixação da indenização com caráter sancionatório-preventivo não configura ofensa ao artigo 944, do Código Civil, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Apesar dessa conclusão demandar uma análise mais extensa, incompatível com o curto espaço deste estudo, consigne-se por ora qual seria a extensão de um dano moral, para que possa ser medido.
 
Não é à toa que a doutrina diverge, enormemente, em torno desse assunto, havendo inúmeros critérios propostos para fixação do quantum indenizatório em caso de dano extra patrimonial. Também não é sem motivo que os tribunais atribuem valores absolutamente discrepantes diante de situações semelhantes. O único ponto convergente parece ser a constatação de que o dano extra patrimonial não possui uma extensão exata, tal como ocorre com o dano patrimonial.
 
E inexiste, realmente, uma medida exata do dano extra patrimonial. Apesar de não haver livre arbítrio do juiz na fixação da indenização do dano extra patrimonial, pois há critérios válidos e legítimos a serem observados (e.g. gravidade do ato ilícito, repercussão na esfera do ofendido e condição financeira das partes), não se é capaz de medi-lo. Nesse tocante, inclusive, o parágrafo único, do artigo 944, não precisaria sequer estar positivado no que diz respeito a um dano extra patrimonial.
 
Daí ser lapidar o ensinamento de Geneviève Viney, autora francesa que, após ponderar que o princípio da reparação integral, pelo menos teoricamente e em uma primeira análise, realmente pareça impedir a fixação de indenização com objetivo de dissuasão e prevenção, afirma que “esta maneira de ver as coisas é demasiado radical porque desconhece a variedade de situações concretas e subestima as aptidões reais da responsabilidade civil para exercer uma influência em alguns comportamentos humanos”.[2]
 
Tem-se, assim que a invocação da literalidade da regra contida no artigo 944, com o objetivo negar o caráter punitivo e preventivo da responsabilidade civil, especialmente no que toca aos danos extra patrimoniais, é inadequada.
 
Daí, em que pesem abalizadas opiniões contrárias, o sistema jurídico não ser refratário às funções punitiva e preventiva da responsabilidade civil.
 
Retornando ao exame da solução do Tribunal, o v. acórdão rejeitou o pedido de indenização por danos morais por se tratar de mero descumprimento contratual. Ao fim e ao cabo, portanto, a Construtora acabou condenada a devolver os valores pagos pelos Autores, ficando isenta do pagamento de qualquer outra indenização.
 
Em termos práticos e econômicos, essa solução garantiu à Construtora um ótimo negócio, não obstante baseado na lesão aos autores da demanda e a outros incautos adquirentes.
 
A Construtora havia compromissado a venda um apartamento e, mais de dois anos depois, já vencido o prazo de entrega em alguns meses, não tinha sequer iniciado as obras. Na prática, portanto, a Construtora lançou um empreendimento no mercado, não realizou nenhuma obra e, após alguns anos, acabou obrigada a devolver o valor recebido, corrigido pelo INPC.
 
Ora, é certo que a Construtora não obteria no mercado financeiro um empréstimo tão barato quanto lhe custou lesar consumidores (a taxa de juros encontrada no site do Banco Central, para captação financeira por pessoa jurídica com conta garantida, varia entre 1,2% e 9% ao mês). Ou seja, a lesão aos adquirentes foi realmente uma opção economicamente compensatória para a Construtora. Dessa forma, o acórdão, além de não inibir a prática do ato lesivo, serviu de estímulo para sua recalcitrância.
 
Além disso, sob a ótica dos adquirentes, a decisão também passou ao largo de cumprir com as funções da responsabilidade civil.
 
A solução deixa de observar que a valorização do mercado imobiliário paulista entre os anos de 2009 e 2012 foi das maiores já experimentadas pelo setor, razão pela qual os adquirentes certamente não conseguirão adquirir um imóvel nas mesmas condições de preço, qualidade, tamanho e localização daquele que deixou de lhes ser entregue.
 
Em outras palavras, irão receber o dinheiro pago de volta, corrigido e com juros de 1% ao mês, mas com esse montante não conseguirão adquirir imóvel semelhante. Logo, nem mesmo a reparação do dano foi plena e satisfatória.
 
Some-se ao acima dito a circunstância, também reconhecida no acórdão, de que o imóvel seria destinado à casa própria, ou seja, à moradia dos adquirentes. Apesar de relatar esse fato, o decisum desconsiderou a sua relevância, já que a importância do imóvel próprio, de residência familiar, é ímpar e absolutamente notória. Há, no projeto de vida do brasileiro, o conhecido sonho da casa própria, sensivelmente alterado em seu percurso no caso em análise.
 
Conclui-se, então, que a simples devolução do valor adiantado pelo adquirente, quando há inadimplemento substancial por parte da incorporadora e a rescisão do ajuste, deixa de atender, em maior ou menor medida, as funções da responsabilidade civil. Não repara satisfatoriamente. Não inibe. Não pune.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Bares e restaurantes violam com frequência direito dos consumidores

Três práticas bastante comuns nos bares e restaurantes violam os direitos dos consumidores, quais sejam: o fornecimento de couvert sem a solicitação do consumidor, a cobrança de couvert artístico sem a prévia informação e a cobrança obrigatória de 10% no valor total da conta.
 
O couvert mais simples costuma ser o pão com manteiga. No entanto, muitos restaurantes possuem opções mais sofisticadas com patês, azeitonas, etc.. Na prática, o couvert pode significar bastante no valor final da conta, notadamente levando-se em consideração que a cobrança costuma ser por pessoa. Ainda que alguém da mesa não consuma o valor acaba sendo cobrado, o que é ilegal.
 
A prática abusiva dos restaurantes em relação ao couvert consiste no seu fornecimento sem a prévia solicitação do consumidor e sem que o consumidor seja previamente informado do seu preço e da forma de cobrança.
 
Produtos entregues ao consumidor sem sua solicitação prévia equiparam-se a amostras grátis e dispensam o pagamento, nos termos do artigo 39, III e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. No Estado de São Paulo existe lei específica nesse sentido. Produto entregue para o consumidor sem que ele tenha solicitado configura mera cortesia, que dispensa o pagamento. Os bares e restaurantes devem primeiro informar o preço do couvert e só devem levá-lo à mesa mediante prévia solicitação do consumidor.
 
O couvert artístico, valor referente à remuneração dos músicos que tocam nos bares e restaurantes, pode ser cobrado dos consumidores desde que haja informação prévia. Na porta do bar ou restaurante deve ter a informação ostensiva do valor que será cobrado, por pessoa, a título de couvert artístico, de forma a conferir ao consumidor que não quiser pagar a opção de buscar outro estabelecimento.
 
No tocante ao acréscimo de 10% no valor total da conta dos bares e restaurantes, a título de remuneração dos garçons, a prática abusiva consiste na sua imposição.
 
O consumidor só é obrigado a pagar o valor discriminado no cardápio, que constitui oferta nos termos do artigo 30 do CDC. Ainda que esse mencione que sobre o valor total da refeição incidirá a cobrança de dez por cento, referente à taxa de serviço, trata-se de prática abusiva, já que não cabe ao consumidor ficar calculando qual será o valor a ser pago mediante o acréscimo desse percentual. O preço das comidas e das bebidas deve constar de forma clara no cardápio.
 
O pior é que esses mesmos estabelecimentos, que colocam a cobrança do serviço como obrigatória, emitem nota fiscal sem considerar o valor adicional cobrado. Ora, se o serviço é obrigatório e se o consumidor não tem opção outra a não ser pagar, a nota fiscal deve levar em conta todo o valor cobrado, configurando a exclusão de parte dele, em tese, o crime de sonegação fiscal.
 
Deve-se distinguir a gorjeta, que é opcional para o consumidor, do serviço do garçom cobrado na conta. O preço a ser pago pelo serviço dos garçons e demais profissionais que trabalham nos restaurantes deve ser embutido no preço das refeições e, consequentemente, lançado integralmente no valor da nota fiscal. Já a gorjeta, por configurar mera doação direta ao garçom, não deve ser discriminada na conta.
 
Quando o valor do serviço já está embutido no preço do produto, a cobrança de taxa de serviço configura duplicidade de cobranças.
 
Alguns países, inclusive, cobram preços diferenciados pela comida servida no restaurante e levada para consumo em casa, o que é bastante razoável, levando-se em conta que a primeira demandará o serviço do garçom, que tem um custo para o restaurante.
 
O sistema correto é aquele adotado nos Estados Unidos, onde é costume dar gorjeta correspondente a 15% do valor total da conta. O consumidor só está obrigado a pagar o valor correspondente às bebidas e comidas consumidas, podendo deixar de gorjeta o valor que bem entender, inclusive não dar nada. O valor eventualmente doado será embolsado imediatamente pelo garçom que serviu a mesa, não ingressando no cofre dos restaurantes.
 
No Brasil bares e restaurantes obrigam os consumidores a pagar os dez por cento, que deveriam ser facultativos, e embolsam indevidamente parte desse valor e revertem outra parte, ainda, para os demais profissionais que trabalham no restaurante, ou seja, cozinheiros, auxiliares de cozinha, lavadores de pratos, manobristas, etc.. Muito embora o valor ingresse no caixa do restaurante, a nota fiscal emitida deixa de incluir o valor cobrado a título de serviço.
 
O consumidor só está obrigado a pagar pelo que pediu e diante de informação clara e ostensiva. No tocante ao serviço de garçom, a gratificação configura mera opção do consumidor que, se quiser, poderá optar apenas pelo pagamento do valor total da conta, que já deve englobar a remuneração de todos os prestadores de serviços do bar ou do restaurante.
 
Fonte - Conjur