quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Decreto que libera FGTS para vítimas não isenta responsabilidade da Samarco

Causou alvoroço nas redes sociais o Decreto 8.572, publicado na edição extra do Diário Oficial da União do dia 13 de novembro. A norma estipula que para fins de FGTS, o rompimento de barragem é desastre ambiental, permitindo assim que os atingidos pelo desastre em Minas Gerais utilizem o fundo de garantia.
 
A inclusão do rompimento de barragem como desastre ambiental no rol, para muitos, seria uma deixa para tirar a responsabilidade da Samarco pelo rompimento da barragem e por toda a destruição causada pela lama tóxica. Até mesmo a suprocuradora da República Sandra Cureau disse, ao site G1, que o decreto "pode ser usado, pelos advogados da Samarco, para que a responsabilidade da empresa seja mitigada".
 
Porém, a publicação do Decreto 8.572/2015 não isenta a mineradora de responsabilidade sobre o desastre. É o que explica a advogada Mariangélica de Almeida, coordenadora do núcleo ambiental do Nelson Wilians Advogados Associados. 
 
"É preciso esclarecer que o Decreto 8.572/2015 não interfere em nada nas sanções civis e penais que recairão sobre a Samarco, seus dirigentes, os engenheiros responsáveis pelas barragens e a auditoria independente que vinha fazendo as vistorias anuais, posto que a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998) prevê a apenação tanto da empresa, quanto das pessoas físicas envolvidas", afirma a advogada.
 
O Ministério da Integração Nacional também publicou nota com o mesmo entendimento e esclarecendo que objetivo do Decreto é “estender os benefícios à população atingida pelo rompimento da barragem em Mariana”. O saque é opcional e limitado a R$ 6,2 mil do saldo do trabalhador no fundo.
 
A Lei do FGTS (Lei 8.036/90), regulamentada pelo Decreto 5.113, de 2004, já permitia a movimentação dos recursos do fundo em caso “de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”, como vendavais, enchentes e deslizamentos de terra.
A advogada Mariangélica de Almeida esclarece que os interessados em fazer o saque devem fazer o pedido à Caixa Econômica no prazo de até 90 dias, a contar do dia 13 de novembro. "Portanto, os trabalhadores terão até o dia 11 de fevereiro de 2016 para fazer o pedido de levantamento do saldo do FGTS", diz.
 
Crimes ambientais

 Mariangélica afirma que no caso da Samarco incide o disposto nos artigos 2º, 3º (caput e parágrafo único) e artigo 4º da Lei 9.605/1998 (Crimes Ambientais), que preveem sanções tanto para a mineradora e seus diretores, quanto para os engenheiros responsáveis pela barragem, assim como para os auditores independentes que vinham fazendo as vistorias da barragem  — inclusive a última que foi feita em julho desse ano. 
CrimePena
Artigo 33
Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras
Detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente
Artigo 54
Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora
Reclusão, de um a quatro anos, e multa
Artigo 54 — Parágrafo 1º
Se o crime é culposo:
Detenção, de seis meses a um ano, e multa
Artigo 54 — Parágrafo 2º
Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos
Reclusão, de um a cinco anos
Artigo 54 — Parágrafo 3º
Deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível
Reclusão, de um a cinco anos
Artigo 58 — I
Se os crimes dolosos resultam dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral
I - , se ;
II - de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem;
III - até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Parágrafo único. As penalidades previstas neste artigo somente serão aplicadas se do fato não resultar crime mais grave"
Aumento e um sexto a um terço da pena
Artigo 58 — II
Se os crimes dolosos resultam lesão corporal de natureza grave em outrem
Aumento de um terço até a metade da pena
Artigo 58 — III
Se os crimes dolosos resultam a morte de outrem
Aumento de até o dobro da pena
 
Já auditores independentes — caso se comprove que eles elaboraram relatórios fraudulentos, atestando a segurança das barragens quando elas já não tinham sua estabilidade garantida — podem vir a responder pelo crime previsto no artigo 69-A: “Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão”.
A pena para a forma dolosa deste crime é de reclusão, de 3 a 6 anos, e multa. E, no caso de o crime ser considerado culposo, a pena será de detenção, de 1 a 3 anos. Neste mesmo artigo, o parágrafo 2º prevê que a pena será aumentada de 1/3 a 2/3, se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.
A advogada lembra ainda que neste caso serão propostas também diversas ações civis públicas — uma vez que os danos se prolongarão no tempo e acontecerão em diversos lugares —, visando alcançar a restauração do meio ambiente degradado e as indenizações pelos danos causados ao meio ambiente e aos moradores locais. "Essas indenizações podem facilmente alcançar a cifra dos bilhões, mas só se chegará a esse montante após as vistorias e perícias, para fazer as avaliações", complementa.
 
Atuação do MP
As ações civis públicas já começaram a ser apresentadas. Os Ministérios Públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo já ingressaram com diversas ações pedindo que a mineradora seja responsabilizada pelos estragos causados. Apesar da barragem estar localizada em Mariana, Minas Gerais, a lama tóxica invadiu o Rio Doce e chegou ao Espírito Santo, deixando todos os municípios que eram abastecidos pelo rio impossibilitados de utilizarem sua água.
 
Nesta quarta-feira (18/11) ao julgar uma das ações, a Justiça Federal do Espírito Santo concedeu liminar e determinou que a Samarco, cujos donos são a Vale e a BHP Billiton, apresente em 24 horas um plano de prevenção e contenção da lama para evitar que ela chegue ao litoral capixaba. O juiz Rodrigo Reiff Botelho, da 3ª Vara Federal Cível de Vitória, estipulou multa de R$ 10 milhões por cada dia não cumprido de decisão.
 
Após a apresentação do plano de contingência e início de sua execução, o juiz determinou ainda que a Samarco apresente também em 24 horas relatório acerca das ações já executadas, passando a apresentar novo relatório a cada sete dias, podendo tal periodicidade ser reduzida a requerimento do MPF e a critério da Justiça.
 
Em outra liminar, esta do dia 11 de novembro, a Justiça Federal determinou o resgate da fauna que poderá ser comprometida pela lama tóxica. Também foi determinada a análise das espécies existentes no ambiente fluvial e marinho, antes e depois da passagem da onda de sedimentos.
Em Minas Gerais, a Justiça deferiu liminar determinando a indisponibilidade de R$ 300 milhões, em dinheiro, da Samarco Mineração. Também em Minas, a mineradora firmou um Termo de Compromisso Preliminar com os ministérios públicos estadual, do trabalho e federal estabelecendo caução socioambiental de R$ 1 bilhão para garantir custeio de medidas preventivas emergenciais, mitigatórias, reparadoras ou compensatórias mínimas decorrentes do rompimento das barragens.
 
Plano de revitalização

 A Advocacia-Geral da União afirmou que adotará medidas judiciais que vão amparar o plano de revitalização da bacia do Rio Doce. A estratégia para ajuizar as ações foi definida nesta quarta-feira (18/11), em reunião do governo federal e as procuradorias dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
 
O objetivo será obter, na Justiça, o ressarcimento, a indenização pelos danos causados pelo desastre e a restauração socioambiental nos locais atingidos. O advogado-geral da União substituto, Fernando Luiz Albuquerque, ressaltou a articulação entre os órgãos federais e estaduais na recuperação de recursos adotados de forma emergencial, como a defesa civil, e para evitar maiores prejuízos para a população e o meio ambiente.
 
Como órgão integrante do comitê de gestão criado pela Presidência da República após o acidente, a AGU solicitou a diversos órgãos públicos relatórios sobre o rompimento de barragens da mineradora Samarco. O objetivo é obter subsídios para o ajuizamento das ações contra os responsáveis pelo desastre, já que a bacia hidrográfica do Rio Doce, gravemente atingida pelo acidente, é um bem público federal, conforme estabelece o artigo 20 da Constituição Federal.
 
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, destacou a atuação dos órgãos federais e estaduais que avaliam a extensão dos danos para embasar uma "arquitetura jurídica" que vai amparar as ações do plano de recuperação do Rio Doce e região. Segundo ela, toda ação deve ser instruída com solidez técnica e com os laudos probatórios. "A ideia é trabalhar de maneira coordenada, com a troca de laudos, consolidando a visão dos estados e da União para que os advogados proponham ações articuladas e obviamente efetivas", explicou.
 
Além do Rio Doce, parques ou florestas nacionais que eventualmente também tenham sido atingidos pela lama e pelos rejeitos de minério poderão ser objeto de pedidos de reparação da Advocacia-Geral. O Ibama já aplicou cinco multas preliminares, no valor de R$ 50 milhões cada, contra a Samarco.
 
Entre advogados
 

 Até mesmo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entrou no debate e criou, nesta terça-feira (17/11), uma comissão para visitar as barragens da cidade de Mariana e outras localidades afetadas pelo desastre ambiental. O objetivo da comissão é reunir elementos para ajuizar ações judiciais contra os responsáveis e exigir que os governos e as empresas tomem providências preventivas contra a ampliação do desastre.
 
O presidente do Conselho Federal, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ressalta que a entidade está pronta a ajudar as vítimas e suas famílias. “É papel constitucional da nossa instituição estar ao lado da sociedade em momentos como este. Prestaremos apoio jurídico, como já faz a OAB de Minas Gerais, e nos colocamos à disposição das vítimas e  município para colaborarmos dentro de nossas áreas de atuação”.

Fonte - Conjur

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

No momento da separação, meação de casa pode ser doada para cônjuge, diz STJ

É válida a doação que uma mulher fez de toda a sua meação da casa para o marido na hora da separação. Assim entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o caso, que tramita sob segredo de Justiça, envolvendo o único imóvel do casal, separado desde 1987.
 
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o recebimento de salário pela mulher, à época, satisfaz a exigência legal de reserva de renda suficiente para a subsistência do doador, capaz de validar doação na separação. A reserva estava prevista no artigo 1.175 do Código Civil de 1916, aplicável ao caso (atual artigo 548 do CC/2002).
 
 
Fonte - Conjur

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Admitir dívida não autoriza inscrição na Serasa sem notificação prévia

A ausência de notificação prévia motiva o cancelamento da inscrição em cadastro de restrição ao crédito, mesmo que o consumidor não negue a existência da dívida. Foi esse o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar procedente recurso de consumidor que teve seu nome inserido no cadastro de restrição de crédito mantido pela Serasa sem ter sido informado antecipadamente.
 
No caso, o consumidor teve seu nome inscrito na Serasa por ter emitido cheques sem fundos. Ele não negou a existência da dívida, mas se queixou do registro feito de forma irregular.
 
O juízo de primeiro grau determinou o cancelamento do registro dos cheques, no prazo de dez dias, sob pena de pagamento de multa, arbitrada no valor de R$ 30 mil. O Tribunal de Justiça do Paraná modificou a sentença por entender que é de responsabilidade da Serasa a notificação prévia. Contudo, a sua ausência não leva ao cancelamento do registro, já que a inexistência da dívida não é objeto de discussão nos autos.
 
Interpretação protetiva

 O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, entendeu que é equivocado o entendimento do tribunal estadual segundo o qual a falta de notificação permitiria apenas o direito à reparação por danos morais, e não ao cancelamento do registro.
 
De acordo com o ministro, o artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor não restringe as hipóteses de obrigatoriedade de notificação prévia, de forma/maneira/modo que deve ser conferida a ampla interpretação protetiva ao consumidor.
 
Villas Bôas Cueva citou ainda diversos precedentes do STJ no sentido de que, em caso de dívida reconhecida, não há que se falar em ofensa moral, devendo tão somente ser retirado o nome do cadastro de inadimplentes em caso de inscrição irregular.
 
Dados fantasiosos

 O sistema de scoring é usado pelo comércio para avaliar o perfil de compra dos consumidores. Suas informações são frequentemente questionadas na Justiça. Uma série de reportagens da ConJur, publicada em 2013, mostra que os dados que a Serasa passa ao mercado sobre os consumidores são fantasiosos, sem qualquer relação com a realidade.
 
A reportagem, à época, consultou o sistema e apontou, por exemplo, que a renda presumida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem participação societária em duas empresas era de R$ 1,2 mil — menos de dois salários mínimos, mesmo tendo ele sido professor, ministro, senador e presidente da República.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Cartão de crédito pode pedir devolução de valor gasto com cobrança

As administradoras de cartão de crédito podem pedir ressarcimento das despesas com cobranças extrajudiciais. A decisão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na análise do Recurso Especial 748.242. Embora tenha reconhecido a legalidade da cobrança, a turma impôs limites: só podem ser cobradas despesas efetivamente realizadas e comprovadas, sem ultrapassar o montante de 10% sobre o valor da dívida.
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Renúncia de herança em prol da mãe não é anulável após descoberta de meios-irmãos

Passados os quatros anos de prazo para ajuizamento de ação, o ato de renunciar a uma herança não pode mais ser anulado. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que confirmou decisão da Justiça estadual em não acatar pedido de anulação feito por herdeiros que abriram mão do valor deixado pelo pai para favorecer a mãe e depois descobriram ter meios-irmãos.
 
A morte do pai ocorreu em 1983, ano em que se deu a renúncia dos filhos para beneficiar a viúva, meeira no espólio. A renúncia é ato jurídico unilateral e espontâneo pelo qual o herdeiro abdica de ser contemplado na herança. No caso, não foi indicada a pessoa que seria favorecida pela renúncia, o que beneficia todos os demais herdeiros (até aquele momento, apenas a mãe).
 
Porém, quatro anos depois, em 1987, eles foram surpreendidos com o aparecimento de outros dois herdeiros, filhos do falecido de um relacionamento extraconjugal, que pediram habilitação nos autos do inventário. A habilitação foi julgada procedente.
 
Alegando que foram induzidos a erro, os filhos pediram que a renúncia fosse tomada como cessão de direitos em favor da mãe. O juiz concordou, mas os meios-irmãos anularam o termo de cessão, porque a conversão só poderia ocorrer em ação própria. Os filhos da viúva, então, em 1997, ajuizaram a ação, mas o direito foi considerado prescrito. O Tribunal de Justiça do Paraná confirmou a sentença.
 
No recurso analisado pelo STJ, o ministro Raul Araújo destacou que, como a renúncia é fruto de erro, o Código Civil de 1916, no artigo 1.590, permitia a retratação. No entanto, a redação do código estaria equivocada, pois não se trata de retratação, mas de anulação de ato por vício de consentimento. Tratando-se de anulação de negócio jurídico viciado por erro, incide o prazo decadencial do artigo 178, parágrafo 9º, V, "b", do CC/16, que é de quatro anos.
 
O atual Código Civil não prevê a possibilidade de retratação da renúncia. O artigo 1.812 diz que os atos de aceitação ou renúncia de herança são irrevogáveis.
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Dano existencial "fere alma" do trabalhador, que deve ser indenizado

"O dano existencial ofende, transgride e arranha com marcas profundas a alma do trabalhador." A definição é de Luiz Otávio Linhares Renault, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) e relator de um caso no qual um gerente que atuava em uma empresa da área de combustíveis obteve indenização de R$ 10 mil por ter que permanecer o dia todo de sobreaviso para ocorrências no serviço. 
 
Renault também criticou em sua decisão a ânsia de "produtividade" da "sociedade pós-moderna" e ressaltou: "Viver não é apenas trabalhar". 
 
De acordo com o trabalhador, seus períodos de descanso e convívio familiar não eram plenamente usufruídos, uma vez que ficava à disposição da empresa, de sobreaviso. Ele contou que era acionado para retornar ao trabalho durante madrugadas, aos finais de semana e até nas férias. O pedido foi indeferido em primeiro grau, pois o juiz entendeu que o empregado não provou a ocorrência de danos morais.
 
No entanto, ao analisar o recurso apresentado pelo trabalhador, a 1ª Turma do TRT-3 teve entendimento diferente e reformou a decisão para condenar a ré ao pagamento de R$ 10 mil por dano moral existencial. O desembargador Renault reconheceu que o extenuante regime de trabalho imposto ao funcionário comprometeu sua liberdade de escolha, inibindo a convivência familiar e social e frustrando seu projeto de vida. No entender do relator, a impossibilidade de desconexão do trabalho gerou prejuízo passível de reparação.
 
"Viver não é apenas trabalhar. É conviver, relacionar-se com seus semelhantes na busca do equilíbrio, da alegria, da felicidade e da harmonia, consigo própria, assim como em todo o espectro das relações sociais materiais e espirituais", destacou o julgador, ponderando que quem somente trabalha dificilmente é feliz. Assim como não é feliz quem apenas se diverte. "A vida é um ponto de equilíbrio entre o trabalho e lazer", registrou.
 
Para o desembargador, há violação ao princípio da dignidade humana previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, quando o empregado não pode se dedicar à sua vida privada em função do trabalho excessivo. A decisão pontuou que as relações familiares, o convívio social, a prática de esportes e o lazer são muito importantes. Segundo destacou, o trabalho extenuante retira a possibilidade de o prestador de serviços se organizar, desprezando o seu projeto de vida.
 
Crítica estrutural

 "A sociedade industrial pós-moderna tem se pautado pela produtividade, pela qualidade, pela multifuncionalidade, pelo just in time, pela disponibilidade full time, pela competitividade e pelas metas, sob o comando, direto e indireto, cada vez mais intenso e profundo do tomador de serviços, por si ou por empresa interposta", frisou Renault. Nessas circunstâncias, o desembargador afirmou que a moderna doutrina entende que se desencadeia o dano existencial, de cunho extrapatrimonial, que não se confunde com o dano moral.
 
A decisão se baseou em ensinamentos da professora e desembargadora Alice Monteiro de Barros para explicar o conceito e contexto do dano existencial. Em suas próprias palavras, o desembargador resumiu: "O dano existencial ofende, transgride e arranha com marcas profundas a alma do trabalhador, ulcerando, vilipendiando, malferindo diretamente os direitos típicos da dignidade da pessoa humana, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual, assim como ao lazer e à perene busca da felicidade pela pessoa humana, restringida que fica em suas relações sociais e familiares afetivas".
 
Na visão do julgador, a conduta da empresa em exigir sempre mais e mais trabalho de seus empregados, como se fossem uma "máquina ou uma coisa", pode configurar o dano existencial. Exatamente o caso dos autos em que ficou demonstrado que o reclamante, além de prestar horas extras, ainda tinha que ficar à disposição em tempo integral via celular.
 
Fonte - Conjur