terça-feira, 30 de junho de 2020

Sonegar auto judicial é delito contra a administração da Justiça, decide TRF-3

Se recusar a devolver autos processuais, com o objetivo de beneficiar seu cliente, constitui crime formal contra a administração da Justiça. O entendimento é da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

A corte julgou o caso de um advogado que retirou um processo criminal em nome de sua mãe e não o devolveu dentro do prazo legal. O objetivo era favorecê-la em uma ação penal, já que a senhora estava prestes a completar 70 anos, idade em que ocorre a prescrição punitiva. 

O homem foi enquadrado no artigo 356 do Código Penal. De acordo com a previsão, o advogado que inutilizar, total ou parcialmente, assim como deixar de restituir autos, documentos ou objetos de valor probatório, pode ter fixada pena de seis meses a três anos de detenção, além de multa. 

"Trata-se de crime formal e que pode ser praticado mediante conduta omissiva, caso em que se consuma com a inércia ou recusa em devolver os autos processuais na forma da lei ou do comando judicial. Independe, por conseguinte, da obtenção do resultado do resultado suposto. 

Para a caracterização do delito em questão, exige-se que o advogado ou profissional autorizado deliberadamente dê cabo à vontade de sonegar", afirma o relator do caso, desembargador Fausto De Sanctis. 
O colegiado também atendeu a um pedido do Ministério Público Federal para majorar a pena do réu. Foi fixado um ano, dois meses e dez dias de detenção, no regime inicial aberto, com substituição da pena corporal por duas restritivas de direito. 

O advogado solicitou absolvição, alegando que sua conduta não constitui crime e que não houve dolo. De acordo com a decisão, entretanto, o simples ato de sonegar documentos já é o bastante para que se configure o delito.

"Apesar de o acusado reafirmar que sua conduta seria atípica, por conta de que teria restituído os autos dentro do prazo prescricional, o crime de sonegação de autos, na modalidade em que praticado, configura-se como delito omissivo e formal, que se consuma com a mera retenção ilegal dos autos, prolongando-se no tempo enquanto não devidamente restituído, independentemente do atingimento do fim pretendido pelo agente". 

Fonte - Conjur

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Ordem de constrição de bens pode ser mitigada durante epidemia de Covid-19

A ordem de constrição de bens, estabelecida no artigo 835 do Código de Processo Civil, é preferencial, e não rígida, podendo ser mitigada, inclusive, com alicerce no princípio da menor onerosidade (CPC, artigo 620).

Com esse entendimento, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de um banco credor para bloquear ativos financeiros, via Bancejud, do devedor — uma hamburgueria — durante o estado de calamidade pública decorrente da epidemia de Covid-19.

Por unanimidade, o TJ-SP negou o recurso do banco e manteve decisão de primeira instância que, segundo o relator, desembargador Roberto Mac Cracken, "não fulmina o direito do agravante, mas somente mitiga, temporariamente, a ordem de constrição de bens".

"Não se pode ignorar, de forma alguma, a tragédia que o mundo e, em especial, o Brasil neste momento, tem passado em razão da inesperada pandemia do novo vírus Covid-19. 

Assim, a muito bem qualificada e sensível r. decisão agravada, representa, à saciedade, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade", completou o relator.

Fonte - Conjur

domingo, 28 de junho de 2020

Desafio de eleição na pandemia é manter credibilidade sem ameaçar saúde pública"

Promover a aglomeração de pessoas na fila dos colégios eleitorais não parece uma atitude sensata a ser tomada no auge da crise de saúde causada pela Covid-19 no Brasil. Por outro lado, se a intenção é manter o sistema democrático vivo e saudável, estender indefinidamente o mandato de prefeitos e vereadores até que a crise esteja resolvida — ainda mais quando as previsões para tanto estão cada vez mais distantes — também não é uma alternativa desejável.

Esse é o dilema que se impõe ao Congresso brasileiro e ao Tribunal Superior Eleitoral neste momento. O Senado aprovou, por sugestão do TSE e especialistas em saúde, o adiamento das eleições por um mês, mas ainda falta a votação na Câmara, onde não há consenso.

Mas o Brasil não é o único país do mundo a enfrentar esse impasse, de modo que várias entidades não-governamentais têm acumulado expertise para aconselhar governos e população sobre os melhores caminhos para garantir, ao mesmo tempo, a saúde pública e as instituições democráticas.

É o caso da International Foundation for Electoral Systems (Ifes), no qual atuam a brasileira Fernanda Buril e a neozeolandesa Katherine Ellena. Em entrevista conjunta à ConJur, elas comentaram a experiência já acumulada na assessoria às eleições em outros países e sugeriram a adoção de medidas para garantir que o processo eleitoral seja feito com segurança e sem piorar o quadro de saúde pública.

Formada pela Faculdade Integrada do Recife e com doutorado em ciência política pela Washington State University, Fernanda Buril é pesquisadora sênior do Centro de Pesquisa Aplicada da Ifes, que produz material para auxiliar a elaboração de políticas públicas para transições democráticas e operações eleitorais. Antes de integrar o centro de pesquisa, atuou em projetos na Guatemala, El Salvador, Bolívia, México, Nicarágua e República Dominicana.

Katherine Ellena tem mestrado em Direito com foco em legislação médica e bioética. Na Ifes, atua como consultora jurídica global, e atualmente pesquisa o impacto dos poderes emergenciais dados aos governos no combate à corrupção. Antes disso, coordenou os programas de reforma eleitoral no Afeganistão e Paquistão, como a responsável pela atuação da Ifes na Europa e Ásia.

Leia os principais pontos da entrevista:

ConJur — É melhor promover eleições durante uma crise de saúde ou adiá-las até que seja mais seguro?
Buril e Ellena — No começo de 2020, 106 países e territórios tinham marcado pelo menos uma eleição nacional ou regional. Antes da propagação acelerada da Covid-19 pelo planeta, algumas dessas eleições foram feitas, e em alguns casos (como a Coreia do Sul, Guiné e Mali), elas continuaram mesmo durante o pico da pandemia. No entanto, até hoje a reação mais comum na maioria dos países tem sido a de adiar o pleito. A decisão de adiar uma eleição é importante e muitas vezes necessária do ponto de vista da saúde pública.


De todo modo, essa está longe de ser uma decisão simples do ponto de vista constitucional. As medidas estão sendo planejadas em meio a um cenário político carregado, e os adiamentos, mesmo que sejam necessários, podem ser lidos como tentativas de beneficiar um campo do espectro político em detrimento dos outros.

timing do adiamento das eleições também é um fator a ser considerado. Um adiamento que seja anunciado no meio do processo eleitoral (por exemplo, depois que o registro de eleitores e o cadastro dos candidatos já tenha sido encerrado) pode resultar em complexidades adicionais.

Uma vez que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos também prevê que as restrições de direitos devem ser temporárias, a decisão sobre a nova data das eleições pode ser complexa, especialmente se a crise sanitária e de saúde continuar piorando.

ConJur — Como é uma campanha eleitoral quando as pessoas estão fazendo isolamento social? Como os candidatos apresentam suas propostas ou dialogam com os cidadãos durante uma epidemia?
Buril e Ellena — Com os lockdowns e limitações a aglomerações, as campanhas eleitorais tradicionais foram interrompidas em diversos países. Muitos candidatos não puderam fazer comícios, conversar diretamente com a população ou promover eventos para arrecadar fundos. Essas limitações tendem a ter um impacto maior para os novos candidatos, que têm menos chances de se apresentarem e de apresentarem suas propostas.


Quem já tem mandato está mais exposto (para o bem ou para o mal) com a pandemia, o que inclui mais entrevistas na imprensa e comunicação direta com o público, durante a resposta governamental à crise.

O que também estamos vendo é a consolidação de uma tendência que já existia — maior ênfase na campanha e mobilização online, especialmente nas redes sociais. Podemos esperar que candidatos e partidos que aprendam a se adaptar melhor ao mundo digital terão vantagem nesse contexto, especialmente entre o eleitorado jovem.

ConJur — O isolamento social tem impacto na legitimidade das eleições?
Buril e Ellena — Não necessariamente. Por exemplo, alguns estados nos EUA votam inteiramente por correspondência, com as devidas medidas de segurança e confidencialidade, em um sistema que tem total confiança da população. Alcance público, comunicação e educação sempre são importantes em uma eleição, mas são especialmente críticos devido às modificações com potencial efeito impeditivo que a pandemia deve causar sobre a taxa de participação dos eleitores.


Se a taxa de comparecimento for muito baixa, haverá implicações na percepção de legitimidade dos mandatos. Também é preciso monitorar a diferença do comparecimento entre áreas urbanas e rurais.

As capitais tendem a ter maior concentração populacional, e mais casos de Covid-19, então a diferença deve ser mais acentuada para os eleitores das capitais. O impacto também pode ser desproporcional entre minorias e jovens.

ConJur — É desejável promover mudanças legislativas temporárias no campo eleitoral para se adaptar à crise da Covid-19?
Buril e Ellena — Há riscos e oportunidades. Entre os riscos, está a possibilidade de abuso de poder, naturalmente concentrado nas mãos dos governos durante cenários de calamidade, e o potencial de que os governantes tentem usar essa vantagem para avançar em sua própria agenda política. Assim, quaisquer mudanças nas leis eleitorais devem ser consideradas com muito cuidado.


Medidas extraordinárias que limitem a participação pública ou expandam poderes emergenciais devem ser explicitamente temporárias, com inclusão de cláusula de término, por exemplo.

Em relação às oportunidades da crise para o fortalecimento da democracia, algumas mudanças operacionais podem aumentar a emancipação, especialmente de setores vulneráveis ou marginalizados da sociedade, e nesse caso as mudanças devem se tornar permanentes.

Sejam as mudanças procedimentais, regulatórias ou legislativas, a consulta pública continua sendo essencial. Especialmente quando um novo processo eleitoral está sendo testado, ou quando um processo já existente em caráter limitado está sendo expandido para mais participantes.

ConJur — Temos exemplos nacionais e internacionais de mudanças legislativas temporárias sendo adotadas em outras áreas do Direito, mas elas foram necessárias no caso de eleições em outros país? Que tipo de mudanças é recomendado adotar?
Buril e Ellena — É provável que pelo menos algumas mudanças básicas sejam necessárias em qualquer país que esteja promovendo eleições no curto e médio prazo.


Os agentes públicos precisam começar a pensar em quais serão essas modificações, e quais mudanças legislativas ou regulatórias serão necessárias. Esses ajustes devem ser necessários em todas as etapas do processo eleitoral — do cadastro de eleitores à contagem de votos. Conforme essas mudanças sejam promovidas, será importante garantir que os princípios eleitorais básicos sejam preservados, sem criar instabilidades.

ConJur — O Brasil é um país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes, onde o voto é obrigatório e a taxa de contaminação pelo coronavírus não dá sinais de ceder. Existe um jeito de obrigar as pessoas a votar sem agravar a crise de saúde pública?
Buril e Ellena — Vários países enfrentaram desafios para promover eleições durante a crise de Covid-19 e muitos outros tiveram que adiar as eleições, mas alguns exemplos recentes, como a Coreia do Sul, mostram que é possível fazer eleições seguras.


Obviamente, o contexto das eleições na Coreia do Sul é diferente do Brasil, já que a Coreia tinha conseguido achatar a curva de transmissão e o número de novos casos estava em dois dígitos quando a eleição foi feita.

É crucial levar em consideração esses fatores contextuais na hora de decidir se levar adiante as eleições é mesmo a melhor opção, incluindo a taxa de transmissão e a capacidade hospitalar do país para oferecer tratamento a quem precisa.

A estrutura legislativa de alguns países também permite a votação sem interação entre as pessoas, como é o caso do voto por correspondência, por exemplo.
A Ifes publicou um artigo, "Safeguarding health and elections", com diretrizes para a promoção de diferentes atividades durante a crise da Covid-19, garantindo a mitigação dos riscos de transmissão.

ConJur — Nesse contexto de voto obrigatório, as pessoas infectadas ou dos grupos de risco podem ser dispensadas de participar das eleições? Ou as pessoas que cuidam de infectados ou de pessoas do grupo de risco? Como o governo pode fazer esse controle?
Buril e Ellena — A prioridade deve ser a facilitação de voto para essas pessoas de forma segura. Na Coreia do Sul, por exemplo, as autoridades eleitorais promoveram mudanças administrativas para aumentar a votação por correspondência, que já tinha previsão legal, e estendeu-a aos pacientes infectados pela Covid-19 e para os quarentenados.

ConJur — Como garantir a higiene em votações com a urna eletrônica?
Buril e Ellena — Há uma série de cuidados básicos que devem ser tomados independentemente do sistema de votação adotado. No dia das eleições, os eleitores devem higienizar as mãos antes e depois de votar, manter pelo menos 1,5 metro de distância uns dos outros, e evitar contatos pessoais, bem como contatos desnecessários com superfícies e objetos de uso comum (como maçanetas, cadeiras, etc). Eleitores e mesários devem usar equipamento de proteção pessoal para prevenir a infecção por fluidos.


No caso da urna eletrônica, como ela será manuseada por vários eleitores, algumas medidas adicionais devem ser adotadas. As comissões eleitorais devem perguntar aos fabricantes da urna sobre quais produtos usar para a higienização do equipamento sem danificá-lo.

Como alternativa, as autoridades também podem providenciar um plástico transparente para cobrir o teclado e a tela da urna, que seria substituído por um novo plástico para cada eleitor.

ConJur — É possível promover um esforço nacional coordenado para a realização de eleições seguras e confiáveis quando o Executivo nacional não consegue entrar em acordo nem com os governos estaduais, nem com o Legislativo e o Judiciário, para coordenar a resposta à crise de saúde?
Buril e Ellena — A responsabilidade de promover mudanças operacionais e legislativas potencialmente difíceis varia entre os países, e pode ser tornar delicada, especialmente se não há previsão legal para o adiamento.


É essencial que as comissões eleitorais e as autoridades públicas, em todo o mundo, tomem decisões sensatas e bem-informadas, em articulação com as autoridades de saúde, e levando em consideração as especificidades do sistema público de saúde, nível de propagação da doença e outros fatores contextuais.

Em qualquer caso de mudança na legislação eleitoral, é preciso consultar autoridades competentes para examinar as opções oferecidas e os riscos envolvidos. Se há previsão constitucional tanto para o adiamento das eleições quanto para situações emergenciais, mas sem explicitar como esses fatores interagem, cabe à Suprema Corte ou outro responsável pela interpretação constitucional avaliar essas questões.

ConJur — É possível, ou mesmo desejável, regular as redes sociais para garantir a justiça das eleições?
Buril e Ellena — Há uma série de medidas adotadas pelos governo sobre a regulação da mídia tradicional nos processos eleitorais, mas as regras normalmente não são transponíveis para as redes sociais.


Quando se fala em regulação das redes, as pessoas pensam que estamos falando só de regulação de conteúdo — mas essa não é a única variável envolvida, e a regulação do conteúdo quase sempre leva a restrições desproporcionais e perigosas à liberdade de expressão e imprensa.

No entanto, vários países têm debatido ou adotado medidas com potencial benéfico para regular o uso das redes sociais, no sentido de limitar ou garantir transparência aos gastos de campanha alocados nas redes sociais; impedir a lavagem de dinheiro na publicidade política; restringir o uso das redes estatais para promoção de campanha; obrigar as empresas a oferecer espaços gratuitos para campanhas educacionais sobre eleições; e limitar a possibilidade de alocação de anúncios políticos por parte de estrangeiros, entre outros.

ConJur — Há algum exemplo de regulação das redes sociais que tenha sido bem-sucedida?
Buril e Ellena — Existem categorias de regulação (como as que acabamos de citar) que valem a consideração. No entanto, em última instância, cabe às autoridades nacionais decidir o que é apropriado para o contexto do próprio país. As normas já existentes e a configuração institucional do país certamente vão influenciar essa discussão.

ConJur — Qual é a avaliação da Ifes sobre a democracia brasileira? Ela já pode se considerar "consolidada"?
Buril e Ellena — A Ifes não faz comentários sobre países específicos. No entanto, o que podemos dizer, de forma geral, é que todas as democracias, não importa o quão consolidadas sejam, precisam de cuidado constante. As ameaças aos princípios democráticos estão sempre evoluindo. Pela primeira vez em quase duas décadas, a maioria dos países (92, segundo o V-Dem 2020 Democracy Report) é caracterizada como "autocracia", e essa onda tem afetado mesmo regiões nas quais se considerou, por muito tempo, que as democracias estavam consolidadas.


Nenhum país está imune aos retrocessos democráticos, e a manutenção de um sistema saudável exige participação pública ativa e inclusiva, políticas públicas fortes e funcionamento de mecanismos de fiscalização e controle.

Fonte - Conjur

sábado, 27 de junho de 2020

Entendimento do STF sobre ICMS em importações gera insegurança jurídica

Ao decidir a respeito da incidência de ICMS sobre importação feita por quem não é comerciante, o Supremo Tribunal Federal acabou por contradizer entendimento firmado anteriormente. Isso porque a corte usou uma repercussão geral para decidir de forma diversa de sua própria jurisprudência. 

No último dia 16, o STF decidiu que é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa física ou jurídica, mesmo que elas não se dediquem habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços.
Ocorre que a corte já havia fixado entendimento semelhante em 2014, quando julgou, também em repercussão geral, o Tema 171 (RE 439.796). O relator do caso foi o então ministro Joaquim Barbosa. Na ocasião, o Supremo determinou que só haveria a tributação caso lei estadual promulgada depois da Emenda Constitucional 33/01 e da Lei Complementar 114/02 previsse a incidência do ICMS.
Agora, no julgado deste mês, a corte decidiu que leis estaduais promulgadas depois da EC 33/01, mas antes da LC 114/02 (ou seja, entre a vigência dos dois diplomas), também são válidas:
"I - Após a Emenda Constitucional 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, devendo tal tributação estar prevista em lei complementar federal. II - As leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/02".
Ao fixar a nova tese, o STF não cancelou o tema 171, de 2014. Ou seja, agora há simultaneamente dois entendimentos díspares a respeito da incidência do ICMS em importações efetuadas por pessoa física e jurídica.

RE 1.221.330

A corte julgou o Recurso Extraordinário 1.221.330, que teve como relator o ministro Luiz Fux. Em seu voto, ele reafirmou que a corte já fixou entendimento sobre a controvérsia no Tema 171.
 

"A incidência de ICMS sobre operação de importação por não contribuinte é constitucional se ocorrer após a EC 33/01 e desde que também esteja fundado em legislação local que tenha adotado adequadamente essa alteração de regra-matriz em data posterior à LC 114/02", disse. 

Fux foi voto vencido. A maior parte da corte seguiu entendimento do ministro Alexandre de Moraes, responsável por propor a nova tese. Ele justificou a decisão afirmando que "no julgamento do Tema 171 não houve debate acerca da possibilidade (ou não) de lei local instituir o tributo após a EC 33/01, porém antes da LC 114/02".

O advogado Augusto Fauvel de Moraes, que atuou no caso defendendo um homem que importou uma Mercedes, afirma que, em relação à mudança jurisprudencial do STF em relação a conflito idêntico ao definido em 2014, o que gera insegurança jurídica é o fato da corte não ter cancelado o Tema 171, nem modulado o novo entendimento.

"Como forma de preservar a segurança jurídica dos contribuintes e validar a possibilidade de mudança radical de entendimento do STF, a corte poderia, em embargos, decidir pela modulação dos efeitos da nova decisão. Este entendimento não pode, conforme aconteceu, retroagir", afirma. 

Além disso, pontua, "há de se destacar que estamos em período de pandemia e tivemos um julgamento de extrema importância e relevância aos contribuintes, sem que houvesse oportunidade para manifestação pelas partes e para amicus curiae, dado que a lógica da repercussão geral foi invertida, tendo sido o caso do RE 1.221.330 ‘pinçado’ à repercussão geral no curso da votação".

TJ-SP

Fauvel mostra o que para ele é um exemplo prático sobre como a mudança pode gerar insegurança jurídica: no último dia 20, depois da mudança jurisprudencial do Supremo, a 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu conflito a respeito da incidência do ICMS com base no Tema 171, de 2014, não com base no novo entendimento do STF.
 

"A decisão combatida encontra-se em conformidade com a tese fixada pelo STF no tema 171, oportunidade na qual consignado que, embora válidas as disposições da EC 33/01, a incidência do ICMS sobre importação operadas por contribuintes não-habituais somente seria possível caso existente lei estadual disciplinando tal modalidade de cobrança do imposto, e desde que tal legislação fosse posterior à modificação constitucional e à edição de lei federal complementar apta a constituir norma geral de balizamento à atuação dos entes federativos", afirmou o relator do caso, desembargador José Orestes de Souza Nery. 

Para Fauvel, "acerca do mérito da recente decisão do STF não adianta mais falar nada. Mas acredito que haverá muita resistência na aplicação do novo entendimento do STF". 

Fonte - Conjur

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Parcelas a vencer podem ser incluídas em execução de título executivo extrajudicial

É possível a inclusão de parcelas vincendas em ação de execução de título executivo extrajudicial, até que a obrigação seja integralmente cumprida. Para tanto, aplica-se a regra do artigo 323 do Código de Processo Civil, que se refere a processo de conhecimento (e não a execução). A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e foi unânime.

A decisão teve origem em execução de título extrajudicial ajuizada por um condomínio com a finalidade de cobrar de condômino inadimplente tanto as cotas condominiais vencidas quanto as que venceriam no curso da ação.

Em primeiro grau, o juiz negou o pedido, afirmando que seria necessária a emenda da petição inicial para que a execução somente contemplasse as dívidas já vencidas. Para ele, a ação de execução só poderia ter por base títulos líquidos e exigíveis.

A sentença foi mantida no tribunal de segundo grau, que acrescentou que a inclusão das parcelas vincendas de obrigações de trato sucessivo somente seria permitida no processo de conhecimento, e não no de execução de título extrajudicial.

Certeza, liquidez e exigibilidade

No STJ, o condomínio sustentou que, como medida de economia e celeridade processual, e tendo em vista que o pagamento das cotas condominiais é obrigação de trato sucessivo, seria cabível, mesmo na ação de execução de título executivo extrajudicial, a aplicação das normas do processo de conhecimento que permitem a cobrança de parcelas vincendas.


Alegou ainda a certeza, liquidez e exigibilidade das cotas vincendas, visto que a necessidade de cálculos aritméticos para determinar os valores devidos não retira a liquidez da obrigação, e a exigibilidade se define pelo vencimento de cada parcela.

Para a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência da Corte é pacífica quanto à possibilidade de que as parcelas vincendas sejam consideradas implícitas no pedido, conforme artigo 323 do CPC. Contudo, a incidência do dispositivo em execução de título extrajudicial é controversa, "eis que o ajuizamento da ação executiva tem como requisito a liquidez, certeza e exigibilidade do título, que poderia ser afetada pela inclusão de parcelas ainda não vencidas da dívida de trato sucessivo".

Inovação do CPC

A magistrada lembrou que o CPC permitiu o ajuizamento de ação de execução para a cobrança de despesas condominiais, considerando como título executivo extrajudicial o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio, desde que documentalmente comprovadas, conforme dispõe o artigo 784, X, do referido diploma, segundo o qual é título executivo extrajudicial "o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas".


Com isso, passou a ser possível ao condomínio, para satisfazer tais débitos, valer-se tanto da ação de cobrança quanto da execução de título executivo extrajudicial.

Efetividade e economia

Nancy Andrighi salientou que o CPC, "na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, em seu artigo 771, a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à lide executiva".


Da mesma forma, afirmou que o CPC dispõe, "na parte que regulamenta o processo de conhecimento, que o procedimento comum se aplica subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução (artigo 318, parágrafo único)".

A relatora citou ainda precedente da Turma em que o colegiado definiu que a incidência do artigo 323 do CPC/2015 no processo de execução de título extrajudicial encontra respaldo no artigo 780 da mesma lei, que permite a cumulação de execuções contra um mesmo executado, ainda que pautadas em títulos diversos.

"Esse entendimento privilegia os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional, o que sobrecarregaria ainda mais o Poder Judiciário", afirmou.

Fonte - Conjur

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Sem ampla defesa, audiência deve ser presencial, não virtual, diz TJ-RJ

Os princípios da celeridade processual e duração razoável do processo precisam atender aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Com esse entendimento, a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, aceitou nesta terça-feira (23/6) agravo interno para retirar processo da pauta por videoconferência e inclui-lo na pauta presencial física.

Se o caso não for julgado em 90 dias, será reincluído na pauta virtual.

A Springer Carrier apresentou execução de título extrajudicial contra a Total Nova Rio Comércio de Ar Condicionado e Refrigeração. O processo foi suspenso. A empresa interpôs agravo de instrumento pedindo sua retomada, e o caso foi incluído na pauta virtual. Porém, a Total Nova Rio argumentou que não tem condições técnicas de participar de uma sessão do tipo e requereu que a audiência seja presencial.

O relator do caso, desembargador João Batista Damasceno, afirmou que a epidemia de coronavírus tem aumentado as sessões virtuais e as sessões presenciais por videoconferência. Porém, esses procedimentos não podem prejudicar o direito de defesa, ressaltou.

"As garantias constitucionais de inafastabilidade da jurisdição, celeridade processual e duração razoável do processo, hão de ser consideradas para efeitos inclusão de feitos em pautas virtuais ou sessões presenciais por videoconferência. Mas, disto não pode decorrer violação a outros princípios cuja valoração se sobrepõem, dentre os quais o do devido processo legal e ampla defesa."

De acordo com o magistrado, se não houver possibilidade de dano irreparável às partes, o caso deve ser julgado da forma que melhor englobe o princípio da ampla defesa e devido processo legal.

E o exercício de tais direito pela Total Nova Rio está comprometido no caso, avaliou Damasceno. Isso porque o advogado da empresa teve dificuldades em entregar memoriais pelo fechamento do TJ-RJ em decorrência da Covid-19. Além disso, ele está em Teresópolis, em local com difícil acesso à internet, e é idoso, o que recomenda seu isolamento como prevenção ao coronavírus.

Fonte - Conjur

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Busca e apreensão não extingue contrato de alienação fiduciária, diz STJ

A autorização para busca e apreensão concedida em juízo consiste em apenas uma etapa da execução do contrato de alienação fiduciária em razão de uma dívida. A reversão da propriedade plena do bem alienado não significa a automática extinção deste contrato.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial de uma financeira para afastar a extinção do contrato em garantia de bem móvel — um carro. A medida permite que, após a venda do veículo, a empresa cobre eventual saldo remanescente.

A decisão reforma acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, segundo o qual "havendo o implemento da cláusula resolutiva, com a subsequente execução da garantia, tem-se que o contrato principal, de financiamento, deve ser resolvido".

Relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que ao pedir a busca e apreensão, o credor não pretende o fim do contrato, mas apenas o direito de ver cumprida a obrigação por parte do devedor. 

"Ao julgar procedente o pedido apresentado na ação de busca e apreensão, o magistrado apenas consolida a propriedade do bem — no caso, um veículo automotor — com vistas a garantir que o credor se utilize dos meios legais (alienação do bem) para obter os valores a que faz jus decorrente do contrato", apontou o ministro.

Pedido na inicial

A decisão da 3ª Turma analisou, ainda, alegação da financeira segundo a qual o acórdão do TJ-DFT violou os artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil de 2015 ao proferir decisão de natureza diversa da pedida.


"O autor, em nenhum momento, postulou a resolução do contrato de alienação fiduciária na petição inicial, sendo tal fato expressamente reconhecido pelas instâncias ordinárias, caracterizando, assim, o julgamento extra petita. Portanto, à míngua de requerimento da parte nesse sentido, não poderia o julgador declarar a extinção do vínculo contratual", concluiu.

Fonte - Conjur

terça-feira, 23 de junho de 2020

Cláusula de tolerância deve fixar prazo inferior a 180 dias para entrega de imóvel

Cláusula de tolerância deve fixar prazo, não superior a 180 dias, para entrega de imóvel. Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina considerou inválida disposição que permitia a uma construtora adiar indefinidamente a disponibilização de um apartamento e a condenou a pagar lucros cessantes à compradora.

Uma mulher moveu ação contra a Beco-castelo Construções e Incorporações de Imóveis. Em 2013, ela firmou contrato de compra e venda de um apartamento em Florianópolis. A entrega do imóvel estava prevista para dezembro de 2015, mas só ocorreu em setembro de 2016. Por não ter usufruído do apartamento, ela pediu indenização por danos morais e lucros cessantes. Em contestação, a empresa argumentou que o contrato tinha cláusula de tolerância, que permitia que a entrega do imóvel fosse atrasada.

O juízo de primeira instância condenou a construtora a pagar lucros cessantes, mas não indenização por danos morais. A mulher apelou. O relator do caso no TJ-SC, desembargador Raulino Jacó Brüning, afirmou que a jurisprudência entende que a cláusula de tolerância não é abusiva quando se limita a 180 dias. Porém, a cláusula de tolerância do contrato de compra e venda não fixou limite temporal para a entrega do imóvel, ressaltou. Por isso, deve ser considerada inválida.

O magistrado apontou que o contrato de compra e venda é de adesão, e a mulher, como consumidora, não teve liberdade de modificar cláusulas. Como viola princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, disse Brüning, a disposição é nula de pleno direito e não produz efeitos, conforme o artigo 51, caput, do Código de Defesa do Consumidor.

Mesmo se a cláusula tivesse prazo de tolerância de 180 dias, a entrega ocorreu por problemas na própria obra, avaliou o relator. Assim, ele disse que os lucros cessantes deveriam ser contados a partir da data inicial de disponibilização do apartamento.

Porém, o desembargador analisou que o fato de a demora na entrega do imóvel ter forçado a autora a morar com sua mãe após se casar não gera danos morais. “Vale dizer, a autora limitou-se ao argumento de que teve de residir com seu marido, depois de recém-casada, na morada de sua genitora e, igualmente, sustentou que não havia onde guardar seus presentes de casamento. Sucede que tais ilações não a humilharam ou causaram vexame a sua índole, mas resultaram apenas em dificuldades superáveis, que não desbordam em prejuízo extrapatrimonial”.

Fonte - Conjur


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Direito de preferência não pode ser reconhecido novamente no mesmo precatório

O direito de preferência previsto no artigo 100, parágrafo 2º, da Constituição Federal não pode ser deferido mais de uma vez no mesmo precatório, ainda que o beneficiário atenda a mais de uma das hipóteses constitucionais de preferência. O múltiplo reconhecimento resultaria, por via oblíqua, na extrapolação do limite de valor estabelecido na própria norma constitucional.

O entendimento foi reafirmado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao confirmar decisão do ministro Benedito Gonçalves que reformou acórdão no qual o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) havia reconhecido a preferência de um cidadão, em razão da idade, para receber o saldo remanescente de precatório. O credor já havia exercido a preferência, em razão de doença grave, ao receber a primeira parcela do mesmo precatório.

De acordo com a norma constitucional, os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 anos ou mais ou sejam portadores de doença grave ou deficiência serão pagos com preferência sobre todos os demais, até o triplo do montante fixado em lei para requisições de pequeno valor.

Para atender esse limite, a Constituição admite o fracionamento do valor do débito, estipulando, porém, que o restante deve ser pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. Em mandado de segurança, o Estado de Rondônia considerou que o reconhecimento da preferência por duas vezes no mesmo precatório caracteriza burla ao limite de valor previsto no dispositivo constitucional.

Jurisprudência pacífica

No recurso apresentado ao STJ, o cidadão alegou que, como o mandado de segurança impetrado pelo Estado de Rondônia havia sido negado pelo TJ-RO, a Justiça fez o pagamento residual com base no direito de preferência. Além de sustentar a perda de objeto da ação, em razão do fato consumado, ele pleiteou o provimento do recurso para que fosse reconhecida a possibilidade do exercício do direito de antecipação no mesmo precatório.


O ministro Benedito Gonçalves apontou que o Supremo Tribunal Federal e o STJ têm entendimento pacífico em relação à possibilidade de haver, em precatórios distintos, o reconhecimento do direito à preferência constitucional, ainda que no mesmo exercício financeiro, desde que observado o limite estabelecido pelo artigo 100, parágrafo 2º, da Constituição em cada um dos precatórios.

Ordem cronológica

Entretanto, o relator ponderou que a própria norma constitucional estabelece que, após o fracionamento para fins de preferência, eventual saldo existente deverá ser pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.


"Portanto, as hipóteses autorizadoras da preferência (idade, doença grave ou deficiência) devem ser consideradas, isoladamente, a cada precatório, ainda que tenham como destinatário um mesmo credor", concluiu o ministro.

Com a reforma da decisão do TJ-RO, a Primeira Turma determinou o retorno dos autos à origem para análise do pedido do Estado de Rondônia quanto à devolução do valor pago de forma indevida ao credor.

Fonte - Conjur

domingo, 21 de junho de 2020

Garantia dada sem autorização durante união estável é parcialmente nula, diz STJ

A garantia fiduciária prestada por devedor convivente em união estável sem a outorga uxória — a autorização do companheiro — é parcialmente nula, devendo ser resguardada a parcela correspondente à meação do bem. 

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a recurso especial de empresa que recebeu um imóvel como garantia e tentava evitar a nulidade da consolidação. Quando o imóvel for vendido, parte da renda terá de ser destinada à companheira.

No caso, a união estável estava registrada em cartório e era de conhecimento da empresa quando o negócio foi celebrado. Ainda assim, ela não exigiu a autorização. Já a companheira sabia da negociação, mas não anuiu efetivamente com o negócio.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, se a companheira não foi expressamente informada e não autorizou o negócio envolvendo o imóvel em que residia com o devedor, a garantia deve ser parcialmente nula, válida apenas a parte referente ao companheiro.

Isso porque, ainda que soubesse dos contornos do negócio, a companheira não participou de sua formalização, o que incluiu justamente a escritura onde se fez a alienação fiduciária.

Exigência de autorização


Abriu divergência no caso o ministro Marco Aurélio Bellizze, que destacou que o negócio foi firmado entre as partes em 2 de janeiro de 2001, ainda sob a égide do Código Civil 1916, que não exigia a autorização de convivente em união estável.
Assim, ainda que a empresa soubesse da situação civil, não houve má-fé, o que afasta a nulidade. Na época da contratação, possuía o respaldo da jurisprudência dominante.

“Nesse contexto, a não-exigência de autorização não pode ser entendida como negligência da parte contratante. A companheira tinha conhecimento dos contornos do negócio, ainda que formalmente não tenha dado a autorização. Sendo válida a garantia dada, não se pode preservar sequer a meação da companheira”, afirmou.

Pós-Constituição de 88

“Esse processo é singular”, rebateu a ministra Nancy Andrighi. Explicou que é inequívoco que a empresa sabia da existência da companheira. E que em janeiro de 2001, antes do Código Civil de 2002, união estável já há muito havia sido equiparada a entidade familiar: primeiro pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226; depois pela Lei 9.278/1996, que o regulamenta.


O entendimento foi acompanhado pelos demais ministros da 3ª Turma. “Já havia um regime jurídico que foi se consolidando com o Código Civil de 2002 e a jurisprudência do STJ”, apontou o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O julgamento foi encerrado na sessão desta terça-feira (16/6), com voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhando a relatora. “À época já estava em vigor a Lei da União Estável. Aí já seria necessária a cautela a respeito”, concordou o ministro Moura Ribeiro, último a votar.

A divergência foi mantida pelo ministro Marco Aurélio Bellizze. “Penso que, do jeito que ficou, todos sabiam de tudo, inclusive a companheira. Parece que ela está levando vantagem sobre a outra parte”, concluiu.

Fonte - Conjur

sábado, 20 de junho de 2020

Magistrado cita lei de Newton para prorrogar vencimento do ICMS durante epidemia

A toda ação se opõe uma reação. Com base na 3ª Lei de Newton, o desembargador Leonel Costa, da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar para prorrogar por 180 dias a data de vencimento do ICMS de uma empresa de eletrodomésticos. A medida vale enquanto durar o estado de calamidade pública decorrente da epidemia do coronavírus.

Costa acolheu os argumentos da empresa, patrocinada pelo escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, de que houve redução de sua atividade econômica. "Com a restrição imposta pela própria quarentena optada pelo Estado, além de não possibilitar a empresa exercer normalmente suas atividades, acarreta redução do consumo das famílias e dos indivíduos dado o confinamento a que estes estarão submetidos, o que, consequentemente, impacta em seu capital de giro, resultando em dificuldade financeira de liquidez", disse.

Ele também comparou a prorrogação do ICMS da empresa de eletrônicos com a decisão do STF de suspender por 180 dias o pagamento da dívida de São Paulo com a União: "Essas mesmas razões justificam a concessão da liminar pleiteada, de forma a conceder o mesmo tratamento ao contribuinte, sob pena de ocorrer tratamento diferenciado, aplicando-se a regra de hermenêutica ubi eadem ratio ibi idem jus, ou seja, onde houver a mesma razão há de ser aplicado o mesmo direito".

Foi nesse ponto da decisão que o desembargador citou a 3ª Lei de Newton por entender que o pedido se adequa à ciência. Segundo ele, se o Estado optou por medidas restritivas ao comércio e à circulação de pessoas, "impedindo o livre exercício da atividade comercial e industrial, evidentemente que se responsabiliza pelos danos decorrentes da sua determinação", ainda que embasada em recomendação da OMS.

"Não como se negar um benefício a recorrente da mesma natureza daquele que o próprio agravado correu para obter junto ao STF, logo no início da quarentena que decretou. Tal benefício permitirá à empresa adiar ou minorar demissões e manter o emprego de seus funcionários, evitando sua falência", completou Costa.

Na decisão, o desembargador também criticou estados e municípios que adotam medidas próprias no enfrentamento da crise. Para ele, "alguns estão buscando o protagonismo político eleitoreiro e supostamente violando direitos e garantias fundamentais". Costa afirmou ainda que a MP 926/2020 do governo Bolsonaro traz "medidas corajosas, algumas amargas, mas necessárias, de enfrentamento da emergência".

Tendência de negar a prorrogação


A decisão do desembargador Leonel Costa destoa da tendência do TJ-SP de negar a prorrogação de tributos estaduais e municipais. O entendimento da maioria da Corte é de que não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, pois isso usurparia a função dos gestores responsáveis pela condução do Estado.

Justamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, isto é, não se pode privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado. Além disso, para esses desembargadores, a moratória só pode ser concedida por lei.

Fonte - Conjur

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Acordo coletivo não pode ignorar obrigação prevista em lei trabalhista

As alterações feitas em 2017, por meio da reforma trabalhista, assim como as recentes medidas provisórias que buscam atenuar os efeitos da epidemia do novo coronavírus, não podem ignorar obrigações previstas no ordenamento jurídico. 

O entendimento é da juíza Nelma Pedrosa Gody Sant'anna Ferreira, da 1ª Vara do Trabalho de Presidente Prudente (SP), ao suspender cláusula de acordo coletivo que permitia o parcelamento de verbas rescisórias, sem nenhum acréscimo punitivo. A decisão foi proferida nesta segunda-feira (16/6).

O acordo foi assinado pela Tur Transportes e Turismo LTDA e pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Terrestres de Presidente Prudente e Região, e é referente ao período 2019-2020, tendo sido prorrogado para 2020-2021.

A cláusula 5ª, que foi contestada pelo Ministério Público do Trabalho, autoriza "o parcelamento de verbas rescisórias devidas, devendo o saldo rescisório ser quitado em parcelas mensais e sucessivas equivalentes ao salário base recebido pelo funcionário, iniciando-se o pagamento em até 30 dias após a assinatura do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, sem que isso configure infração ao artigo 477, § 8º, da CLT". 

Para a magistrada, a situação ensejada pelo contrato exige intervenção urgente do Poder Judiciário, como forma de demonstrar que, a despeito da grave crise sanitária, o ordenamento jurídico vigente deve ser respeitado. 

"Cogitar o parcelamento das verbas rescisórias em um período que o empregado ficará sem emprego, que terá que reprogramar toda sua vida e se preparar para um futuro de dificuldades de nova colocação, já é questionável. Sem o acréscimo punitivo, imposto pela lei, então, inadmissível. Nem as alterações feitas em 2017 e nem as recentes MPs que vieram para amenizar os efeitos da pandemia conferem à negociação coletiva tal poder", afirma a decisão. 

Ainda de acordo com a magistrada, as recentes mudanças legislativas têm como objetivo “a preservação dos empregos, em um primeiro momento, além da sobrevivência dos empreendimentos”, e não “ceifar os direitos dos empregados”.

Fonte - Conjur

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Empresa em recuperação pode participar de licitação sem certidões negativas

A exigência de que empresa em recuperação judicial apresente certidões negativas de débito para participar de licitação desconsidera o interesse público na preservação da atividade econômica e dos empregos.

Com esse entendimento, a 1ª Vara de Falência e Recuperação Judiciais de São Paulo desobrigou a empresa Eit Engenharia, em recuperação judicial, de apresentar certidões negativas de débito para participação em licitação e contratação com o poder público. A decisão é de 9 de junho.

O juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi afirmou que a limitação da participação de empresas em recuperação judicial em concorrências públicas desconsidera o interesse público na preservação da atividade da companhia e dos postos de trabalho.

Para o juiz, a exigência das certidões negativas dificulta ainda mais a recuperação da empresa, contrariando o instituto criado pela Lei de Falências (Lei 11.101/2005).

Segundo Limongi, o poder público não pode exigir apresentação de certidão negativa de recuperação judicial para empresa participar de licitações. Isso porque o requisito do artigo 31, II, da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), fala em certidão negativa de falência ou concordata. Porém, a figura da concordata foi extinta, e não é certo afirmar que a recuperação judicial a substituiu, apontou o julgador, ressaltando que a Lei de Falências autoriza a companhia em reabilitação a contratar com a administração pública.

Quanto à exigência da apresentação de certidão negativa fiscal, Limongi ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça entende que recuperações judiciais podem ser concedidas mesmo sem o documento. Isso devido à realidade de endividamento fiscal das empresas em crise e da ausência de programa adequado para parcelamento de dívidas para companhias em reestruturação. Como não se pode exigir certidão negativa fiscal para recuperação judicial, também não é possível cobrar o documento para contratação com o poder público, avaliou.

Com relação à exigência de certidões negativas de débitos trabalhistas e FGTS, Tiago Limongi destacou que dívidas desse tipo não poderiam ser pagas, sob pena de a companhia violar a paridade com os outros credores.

Interesses sociais

O advogado da empresa Roberto Keppler, sócio da banca Keppler Advogados, afirmou que a decisão é importante por gerar uma discussão a respeito da prevalência dos interesses sociais sobre a legislação.


Conforme Keppler, é “anacrônico” proibir a participação de companhia em recuperação judicial em licitação pela falta de certidões negativas. A seu ver, isso “joga contra o desenvolvimento e retorno do ambiente empresarial”.

Fonte - Conjur

quarta-feira, 17 de junho de 2020

STF fixa que não incidem juros de mora entre expedir e pagar precatório

Não devem incidir juros de mora no período entre a data da expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV) e o efetivo pagamento. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento de recurso com repercussão geral.

O caso foi julgado no Plenário virtual e encerrou-se nesta segunda-feira (15/6). Foram 9 votos contra 2. A maioria dos ministros seguiu o voto divergente apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Para ele, diversos precedentes da corte geraram o entendimento consolidado na Súmula Vinculante 17, no sentido de que "não incidem juros de mora durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição Federal (na redação anterior dada pela EC 30/2000)".

O ministro defendeu que, pelo princípio da unidade da Constituição, o texto deive ser interpretado em sua totalidade. Desta forma, disse Moraes, a incidência de juros de mora desde a inscrição do precatório até seu efetivo adimplemento "vai na contramão do que estabelece o parágrafo 5º do artigo 100, que prevê a possibilidade de pagamento até o fim do exercício financeiro seguinte para os créditos inscritos até 1º de julho".

A tese fixada foi a seguinte: "O enunciado da Súmula Vinculante 17 não foi afetado pela superveniência da Emenda Constitucional 62/2009, de modo que não incidem juros de mora no período de que trata o parágrafo 5º do artigo 100 da Constituição. Havendo o inadimplemento pelo ente público devedor, a fluência dos juros inicia-se após o ‘período de graça’".

Relator vencido


Vencidos o relator, ministro Marco Aurélio Mello, e o ministro Luiz Edson Fachin, que entendiam que era possível a incidência dos juros de mora. No voto, o relator defendeu que "o sistema de precatório não pode ser confundido com moratória, razão pela qual os juros da mora devem incidir até o pagamento do débito".

Ainda segundo Marco Aurélio, o fato de o constituinte ter previsto a atualização monetária decorrente do pagamento não é suficiente para afastar a incidência dos juros. "Tanto que a Emenda Constitucional 62/2009, no campo simplesmente pedagógico, versou a previsão dos juros moratórios — parágrafo 12 —, mantendo a redação anterior do parágrafo 1º — hoje parágrafo 5º — no tocante à atualização", explicou. 

Acórdão do TRF-4


O recurso foi interposto por um aposentado contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, em relação ao montante principal devido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), limitou a incidência dos juros de mora ao período entre a conta de liquidação e a inscrição do precatório.
O aposentado sustentou que o tema é diferente da questão contida no tema 96 da repercussão geral, que fixa os juros da conta de liquidação até a expedição do requisitório. Aponta violação ao artigo 100, parágrafo 12, da Constituição Federal, que prevê o uso de valores de requisitórios no período entre a expedição e o efetivo pagamento, conforme a Emenda Constitucional (EC 62/2009).

Além disso, ressaltou a insistência do tribunal local em adotar a decisão de recurso que definiu que incidem juros de mora após a expedição do precatório quando os valores não forem cumpridos no exercício financeiro seguinte.

Destacou ainda a intenção do legislador constitucional de impedir o enriquecimento indevido do erário em razão do significativo lapso temporal. 

Fonte - Conjur